domingo, 1 de outubro de 2017

Raiva

Érima de Andrade

Hoje vamos falar da raiva. A raiva é um sentimento que surge para nos defender, para nos proteger das dores físicas e emocionais. A raiva é uma reação legitima do nosso sistema de defesa. A raiva dá os limites do que é suportável, ela diz: até aqui você pode ir, daqui para frente não pode mais.

Engolir sempre a raiva pode provocar muitos sintomas. Quando a raiva sai, você solta o vapor emocional e tudo fica bem.
Isso não significa, de maneira alguma, que você está autorizado a ser agressivo com quem quer que seja. A raiva construtiva é aquela que dá limites e não a que agride. E se você vive respondendo as situações quando elas acontecem, os limites vão sendo dados sem que haja um depósito de raiva prestes a explodir.

Se você tentar suprimir essa emoção a força, não vai conseguir.
Não importa quanto vezes você repita: “Eu não ficarei irritado”. O controle só é possível conhecendo a emoção, analisando como ela age, e com base nessa análise, decidir escolher um caminho diferente.

A raiva que você finge não existir, já é um problema.
Como você pode curar um sentimento quando ele não está consciente? Não pode. Muitas vezes você é tomado pela raiva, mesmo que conscientemente, você não queira isso. Às vezes você tem até raiva de estar sentindo raiva, mas continua sentindo. Você é tomado por impulsos inconscientes e, é tomado justamente, porque são inconscientes.

O caminho para não guardar pressão é reagir no momento presente. Quando você pode sentir o que realmente está acontecendo, sentir o sentimento que foi provocado no momento que ele acontece, você tem escolha.

Até que você reconheça e faça as pazes com seus sentimentos negativos, eles persistirão. E como fazer as pazes? Reconhecendo e estudando a si mesmo. Não é necessário nada mais. Nada de confrontos dramáticos, nada de catarse. Sinta o sentimento, sinta a raiva, ou medo, inveja, agressividade ou qualquer outro sentimento negativo, e diga: “Eu o vejo. Você me pertence”.

E a partir desse reconhecimento, coloque luz na sua raiva, estude-a para poder fazer a relação de causa e efeito. Se você tem o objetivo de ser uma pessoa com potencial de ajudar os outros, terá que ser capaz de lidar com seus sentimentos negativos, pois eles existem. Se você não se permite sentir, e as barreiras emocionais não são seletivas, elas impedem qualquer sentimento bom ou ruim, nem fazer empatia com o outro você conseguirá.

Quando você está com raiva e não quer lidar com ela, você fica sem defesa, por isso você sofre. Mas ao fazer um exame profundo, você talvez perceba que a semente da raiva que existe em você é a principal causa do seu sofrimento.

Muitas outras pessoas, quando confrontadas com a mesma situação, não ficariam com a raiva que você fica. Elas ouvem as mesmas palavras, presenciam a mesma situação, mas são capazes de permanecer mais calmas, sem se deixarem afetar tanto pelas circunstâncias. Por que você se enraivece? Talvez porque sua semente da raiva seja muito forte. Ela pode ter sido regada no passado com excessiva frequência.

Todos temos uma semente da raiva nas profundezas da nossa consciência. No entanto, em alguns de nós, esta semente é maior do que nossas outras sementes como a do amor e a da compaixão. Dentro de cada um de nós existe um jardim, e todos nós precisamos cuidar dele. Você precisa saber o que está acontecendo no seu jardim para poder retirar as ervas daninhas, fertilizar as boas sementes, colocar tudo em ordem.

Quando começar a cultivar a consciência, a primeira coisa que irá perceber, com clareza, é que a principal causa do seu sofrimento, da sua aflição, não é a outra pessoa, e sim a semente da raiva que existe em você. Ela faz você acreditar que o problema está no outro, que você não tem nada a ver com a história, que é uma pessoa ingênua, vítima de um mau caráter. Às vezes até é verdade, mas quem abriu as portas para isso foi você. Quem tem a chave da sua casa é você, é você que abre a porta.

Consciente disso, você para de considerar a outra pessoa culpada do seu sofrimento, e compreende que ela é apenas uma causa secundária, que como você, só quer a felicidade.

Parece loucura, mas pense que a pessoa de quem você tem raiva é como se fosse um professor para você. Se quiser ser uma pessoa melhor, ou seja, mais paciente, amável, simpática e feliz, precisa praticar lidar com seus sentimentos negativos. Se estiver sempre cercado de pessoas que fazem e concordam com tudo que quer, nunca terá nenhum desafio.

Assim, a pessoa que lhe dá raiva é extremamente preciosa, pois dá a oportunidade de realmente praticar paciência. Isso diminui imediatamente o surgimento de sentimentos de raiva, porque muda sua perspectiva, passando do que lhe fizeram ao que estão fazendo por você. Quando você entende o sofrimento da outra pessoa, você compreende que ela precisa de ajuda e não de punição. Quando isso acontece, você sabe que sua prática teve êxito. Você se tornou um bom jardineiro, suas melhores sementes estão florescendo.

Com consciência você pode curar suas feridas da infância, limpar as sementes que foram transmitidas para você por pessoas que não sabiam como se curar. Se não souber como transformar e curar seus próprios ferimentos, você também vai transmiti-los para seus filhos e netos.

Você pode começar se perguntando: por que eu preciso me defender? Essa é uma questão-chave, pois leva ao questionamento do principal motivo da existência da sua raiva. E quase sempre você vai encontrar o orgulho ferido.

É por isso que você tem que voltar à criança ferida que existe dentro de você para ajudá-la a ficar curada. Se você estiver consciente, ouvirá a voz dela pedindo ajuda. Quando isso acontece, é hora de desligar-se de tudo em torno e voltar-se para dentro, acolhendo e abraçando carinhosamente a sua criança ferida.

Você pode respirar e dizer conscientemente: “Ao inspirar o ar, volto-me para minha criança ferida; ao soltar o ar, cuido amorosamente da minha criança ferida.” Olhar para ela amorosamente vai criar intimidade entre vocês.

Com intimidade, cuidando dela todos os dias, abraçando-a com carinho, falando com ela, ou escrevendo uma carta para dizer que reconhece sua presença e fará tudo que estiver ao seu alcance para curar seus ferimentos, você vai poder se curar das mágoas da sua infância. Escolha a sua maneira de se conectar com a sua criança, ela é você preso numa dor da infância.

A medida que o tempo for passando você se sentirá pronto para ouvir a história da sua raiva. Ouça a história que há por trás da sua raiva. Seja aberto para a história que surgir, independentemente de qual seja. Seja receptivo.

Lá na infância você não tinha como cuidar desse ferimento, agora você já é capaz. Diga a si mesmo que você teve uma razão válida para se ater à negatividade. Você não tinha escolha, porque o sentimento foi secretamente guardado, depois permaneceu escondido, preparado para lhe defender. Mas agora você pode fazer as pazes com esse sentimento, e transformar o negativo em positivo.

Quando você acolhe e abraça a raiva, você se sente muito melhor. Essa raiva pode até se transformar em compaixão.

Como? Você pode, por exemplo, escolher passar uns dez minutos por dia gerando pensamentos de bondade amorosa pelos outros, familiarizando a sua mente com pensamentos positivos de paciência, amor, compaixão.

Também pode tentar respirar profundamente se notar que está ficando tenso e frustrado. Isso é um antídoto direto às respirações curtas e fortes da raiva. Você pode contar lentamente até 100 para evitar dizer coisas que definitivamente lamentará mais tarde. Uma vez consciente da sua raiva, você tem escolhas. Escolha a sua maneira de transformar sua raiva em compaixão.

Não duvide dos efeitos dessa prática. Não é que as pessoas não vão lhe irritar mais, mas você vai reconhecer que não faz sentido algum desperdiçar seu precioso tempo, respiração e energia sentindo raiva.

Assim, quando estiver experimentando alguma situação ruim, em vez de deixar a raiva tomar conta, você pode parar e pensar: de onde vem isso? Será que quero que continue assim? Que benefício essa raiva pode me trazer?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Vou ficar feliz com seu comentário. É muito bem vindo!