domingo, 28 de junho de 2015

Consequências

Érima de Andrade

“O plantio é opcional, mas a colheita é obrigatória.” 

Sempre que leio alguma coisa assim, penso logo em Adão e Eva. Nunca me conformei com a história que diz que Deus expulsou Adão e Eva do Paraíso por tê-Lo desobedecido. Deus, vingativo?!? Punitivo?!? Não..., não combina com a imagem amorosa que tenho Dele...

Até que compreendi. Adão e Eva, como todos nós, tinham o livre arbítrio. Não adiantaria ter livre arbítrio se não fosse possível fazer escolhas. Então a eles também foi dado o poder de escolher. Podiam tudo no Paraíso, menos comer o fruto da “árvore do conhecimento do bem e do mal”. 

Então havia uma árvore, a “árvore do conhecimento do bem e do mal”, que eles não podiam comer o fruto, se quisessem continuar no Paraíso. 

Prestem bem atenção, não é de uma árvore qualquer, é o fruto da “Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”.

E eles comeram. 


Queriam saber tudo. 


“Seja feita a tua vontade, pois o que for a tua vontade será a minha vontade para ti.”


E assim, eles vão para vida fora do Paraíso, conhecer tudo. 


E para conhecer, é preciso viver.


Para conhecer o frio é preciso sentir frio, para conhecer a fome, é preciso ter fome, para conhecer o alívio, é preciso superar um momento de tensão, para conhecer o descanso, é preciso se cansar, para conhecer o amor, o desamor, a sabedoria, a manipulação, o bom senso, a competição, a compaixão, o perdão, a despedida, o encontro, a cobiça, a alegria, a rejeição, a espontaneidade, a liberdade, a raiva, a esperança, e assim por diante, é preciso viver. 

Não tem como ter o conhecimento de tudo na vida senão viver. Sem a vivência seria só informação, não o conhecimento. 

E também não tem como conhecer tudo numa única vida. 

Para mim, é quase óbvio que é preciso viver várias vidas, experimentar muitas existências, para adquirir todo o conhecimento do bem e do mal. Então é preciso reencarnar, e reencarnar, até que se tenha vivido tudo, aprendido tudo, conhecido tudo. Nascer, morrer, e renascer de novo, progredindo sempre, tal é a lei, nos dizem os espiritas.

Deus disse: “Vai filho, vai ser feliz na Terra. Que seja de acordo com a tua vontade. Sempre terei compreensão e compaixão por ti e o amarei independente do que faças. Tens livre arbítrio, podes escolher. Portanto és responsável por seus atos. Todos os atos têm consequências. És responsável por elas também.”

E desde então, todos os nossos atos tem consequências, e sim, todos nós arcaremos com elas.

E cá estamos nós, fora do Paraíso, aprendendo a nos responsabilizar por nossas escolhas. 

Vai ver o pecado original é isso, nascemos com livre arbítrio que nos torna responsáveis por nossos atos e pelas consequências deles...

E não tem jeito, porque não escolher também é escolher.

Nós, brasileiros, tão fãs de novelas, somos capazes de assistir uma cena e já sabermos qual será a consequência daquilo para o personagem. Por que não fazemos isso com nossa vida? Não treinamos em nós esse olhar de espectador? 

À noite, quando você for agradecer pelo seu dia, ou rezando, ou fazendo o seu caderno de gratidão, que tal aproveitar para confirmar que seus atos estão levando para o caminho que você escolheu? 

Você tem um projeto, um objetivo? 

O que você faz no seu dia a dia lhe aproxima ou lhe afasta dele? 

Você tem claro aonde quer chegar? 

Está fazendo tudo ao seu alcance para alcançar seu sonho? 

As consequências dos seus atos, das suas atitudes diárias, vão de encontro aos seus desejos? 

Você tem livre arbítrio, está sempre livre para mudar de ideia. Faça suas escolhas. 

Como você quiser, assim será.

domingo, 21 de junho de 2015

Vivendo em sociedade

Érima de Andrade


Para viver bem com as pessoas, afora amá-las, é preciso que elas tenham privacidade, espaço para serem criativas, permissão para errar, aceitação pelo que são e pelo que não são.” Bob Hoffman

A primeira vez que li essa frase eu pensei em mim.

Pensei, como seria bom se eu tivesse tido ao longo de toda a minha vida a minha privacidade preservada!

Que delícia teria sido ter permissão para errar quando eu estava aprendendo. Que bom seria ter tido espaço para ser criativa com todas as pessoas com quem convivi.

Que maravilha ser sempre aceita, em especial quando, sendo eu mesma, eu não correspondia a imagem que tinham de mim.

Como tudo isso teria sido útil na construção do meu amor próprio... mas não foi assim. E se não posso mudar meu passado, posso mudar meu presente e fazer um futuro melhor.

E aí reli essa frase e pensei, e eu? Eu estou oferecendo isso tudo as pessoas que convivem comigo?

Eu permito a elas privacidade? Eu espero a perfeição? Eu dou espaço para as novidades? Eu quero que se encaixem na imagem que eu construí de cada uma delas? As vezes sim... eu também não dei a elas incondicionalmente tudo o que eu considero importante para vivenciar a felicidade...

Aí pensei nos meus filhos. Eu os estou educando lembrando que são únicos e especiais?

Claro que não.

Como podem se expor ao mundo com coragem e confiança seu eu não deixava espaço para tentarem fazer de uma outra maneira? Como descobrir defeitos e qualidades se eu esperava que acertassem sempre? Como saber quem são se eu esperava que os dois reagissem iguais, ignorando qualidades e talentos, focada unicamente na “boa educação”?

Um homem que ama a si mesmo respeita a si mesmo e um homem que ama e respeita a si próprio respeita os outros também, porque ele sabe, ‘Assim como eu sou, os outros também são. Assim como gosto do amor, respeito, dignidade, os outros também gostam'”. Osho

Me amar fez toda a diferença na minha vida: amar a si mesmo é um requisito fundamental para que o ser humano possa vivenciar a felicidade. E por isso, sou muito grata ao Bob Hoffman, o criador do método que fez com que eu descobrisse o meu amor por mim.

Passei a me observar, a pensar antes de agir, a me perguntar antes de qualquer coisa, está errado mesmo ou é apenas uma nova maneira de fazer, diferente do que eu faria?

Descobri que sim, eu e meus filhos somos muito parecidos, mas não somos iguais. E tem coisas que eu gosto e eles não. Tem coisas que um deles gosta e o outro detesta, e não tem nada a ver comigo.

Inventam coisas que jamais passaria pela minha cabeça, e é maravilhoso.

Privacidade é um espaço sagrado. Deixar que tenham o espaço deles não significa abandona-los a própria sorte, virar as costas e não se importar. Ao contrário, é por amor e respeito que o espaço deles está preservado.

E assim, amando, dando privacidade, espaço para serem criativos, permissão para errar, aceitação pelo que são e pelo que não são, que vamos construindo uma linda história de amor, auto-estima, respeito e convivência.

Que todos nós possamos ser felizes.

Que o melhor sempre se manifeste em nossas vidas.

domingo, 14 de junho de 2015

Com tudo e apesar de tudo

Érima de Andrade

Tenho escrito com frequência que podemos escolher o que sentimos, mas isso não é verdade. Temos escolha sim, mas não temos controle sobre nossos sentimentos diante de uma situação inesperada.

Temos controle, e poder de escolha, sobre o que continuar sentindo depois de uma reação inesperada. Você pode escolher que sentimento alimentar depois da sua primeira reação.

Se no meio da manhã você recebe uma notícia desestruturante? Ok, sinta sua fragilidade, sua impotência e depois de tudo, e apesar de tudo, se reestruture. Uma nova realidade exige uma nova postura, novas atitudes, novos caminhos, e mesmo nessa situação, você pode ser feliz.

É uma escolha: se lamentar infinitamente ou ser feliz apesar de tudo?

Nem tudo dá certo, há que se aprender a suportar a frustração. Mas se diante das adversidades você lembrasse que pode olhar o mundo de forma diferente? E se o que você acha que não deu certo, deu certo sim!, mas você não acredita por que esperava outra coisa?

Com tudo o que você passou, e apesar de tudo o que você passou, você pode escolher sentir gratidão e carinho, por cada aprendizado.

Se passou por uma situação de estresse, demorado, mas depois foi tudo maravilhoso, o que você vai escolher lembrar? Do estresse, ou da sensação de tudo resolvido?

Se o corte de cabelo não deu certo da primeira vez; se o vôo parecia mais longo e interminável do que você lembrava; se resolver qualquer coisa com qualquer operadora de telefonia móvel consome muito mais tempo do que você queria; se mesmo com toda sua atenção, a comida não ficou boa; se acontecesse tudo isso num mesmo dia, ainda assim, com tudo isso, e apesar de tudo isso, você pode continuar a sorrir, pode continuar a ser feliz.

“Rir não é uma forma de desprezar a vida, e sim de homenageá-la. Mas atenção pra sutileza: isso não significa passar os dias feito uma "boba alegre", dando bom dia pra poste. Trata-se de rir por dentro. De achar graça nas coisas. Mesmo as que não dão muito certo. A essa altura você já deve ter descoberto que nem tudo dá certo.” Martha Medeiros

Com tudo e apesar de tudo, você pode.

domingo, 7 de junho de 2015

Ser feliz ou ter razão?

Érima de Andrade

De vez em quando encontro com pessoas que sofrem, mas se recusam a ceder. Para elas a resposta à pergunta,  
ser feliz ou ter razão, é sem dúvidas ter razão. Ficam presas a um episódio da própria vida apenas para ter razão, sem perceber que, nesse caso, o vigia é tão prisioneiro quanto o vigiado.

E seguem teimando numa disputa que não permite vencedores.

A vida toda passa a girar em torno desse entrave. Isso me fez lembrar uma crônica do Luiz Fernando Veríssimo publicada na Revista do Jornal do Brasil, há uns 20 anos pelo menos. Claro que eu não tenho mais a revista, mas como a internet facilita muito qualquer pesquisa, consegui achar o texto e trouxe aqui para o blog. Ilustra bem como a vida passa a girar em torno de um episódio que tinha tudo para ser insignificante.

Boa leitura!

"O jogo", por 
Luiz Fernando Veríssimo 

"― Nicou.
― Não nicou.
― Nicou!
― Não nicou!

Atracaram-se. Rolaram pelo chão. Eram vizinhos. Os dois com oito anos. Xingavam-se aos gritos.

― Filho disto!

― Filho daquilo!

As duas mães citadas correram para ver o que estava acontecendo. Separaram os dois, que choravam de dor e de raiva. As mães tiveram que segurar os dois com força e levá-los, cada um para a sua casa. Senão a briga recomeçava.


― Nicou!
― Não nicou!

Nunca mais jogaram bola de gude. Nunca mais brincaram juntos. Quando um deles mudou de casa, botou a cabeça para fora do carro e gritou para o que ficava.

― Nicou!

O outro não teve tempo de responder. Mas fez um gesto expressivo. Nicou aqui, ó!

Reencontraram-se anos depois, por coincidência, no ginásio. Encararam-se, meio sem jeito. Mas não se falaram. No fim do ano, um tinha tirado o primeiro lugar da turma e o outro, o segundo. No ano seguinte, foi o contrário. Disputaram a presidência do grêmio estudantil. Foi uma campanha violenta, com ataques pessoais. Entrou mãe no meio. Houve acusações mútuas de desonestidade no jogo, o que ninguém entendeu. O derrotado fundou um grêmio dissidente. Cada um entrou para um cursinho pré-vestibular. Os cursinhos brigaram, pela imprensa, sobre qual dos dois fizera o melhor vestibular na cidade. Entraram os dois para a Engenharia.

Um casou com a segunda fortuna do país. A notícia saiu em todas as colunas sociais. O outro casou com a terceira fortuna do país. Saiu matéria paga em todas as revistas nacionais. 

O primeiro edifício construído pelo primeiro se chamava Nico. O segundo construiu um edifício de cinco andares chamado Nonico. 

Um teve um filho. O outro teve gêmeos. Um foi morar num apartamento de cobertura. O outro comprou a cobertura do lado, um andar mais alto, e mandou colocar uma faixa no lado do prédio, virada para a cobertura do outro. Na faixa havia só uma palavra. Nicou. 

O outro comprou o edifício ao lado, despejou o vizinho da sua cobertura, destruiu o edifício, ergueu outro em seu lugar, com o gabarito máximo, e foi morar na cobertura. Nos mesmos jornais que anunciavam a inauguração do novo prédio apareceu um misterioso anúncio de página inteira que dizia o seguinte: “Está certo. Mas nicou”.

Quando um construiu um edifício de 36 andares, o outro construiu um de 40. Um anunciou o lançamento do maior empreendimento imobiliário do continente, o Brazilian Golden Palace Tower Suites, edifícios de 80 andares na Rio-Santos com vista para o mar. O outro criticou publicamente a construção de espigões na área e o uso absurdo de nomes em inglês e anunciou a construção, ao lado, de edifícios de 82 andares, Lês Jardins Plein Soleil sur la Mer.

Um construía um edifício, o outro construía dois. Um destruía um marco histórico ou uma casa antiga, o outro destruía um quarteirão. Lideravam grupos sociais rivais. Um organizou a Festa do Pavão Deslumbrado, no Iate. O outro organizou a Noite das Línguas Afiadas para comentar o fracasso da festa do primeiro, no Country. Um fechou o Regine’s com o seu grupo e foi notícia nacional. O outro fechou a Regine na Avenida Atlântica com o seu carro e foi notícia internacional. 

Um viu-se envolvido na falência fraudulenta do seu grupo imobiliário. Dias depois, o outro também era citado na concordata do seu grupo e fazia questão de dizer que a sua dívida era maior. Ambos foram socorridos pelo Governo. Um comprou um barco com piscina, cinema, sauna e adega climatizada. O outro comprou um avião a jato com cama redonda.

Um decidiu retirar-se da vida empresarial e dedicar-se à arte. O outro também anunciou que renunciava aos grandes negócios e se tornava um patrono da cultura. Para começar, fundou uma revista de crítica de arte.

Um inventou a arte monumental. Seu primeiro trabalho foi um gigantesco obelisco de isopor. (“Simbolizando”, disse a revista do outro, “o que o artista tem na cabeça: absolutamente nada”). A seguir, desapropriou e arrasou uma grande área urbana para erguer uma estranha escultura, grandes bolas pintadas como bolas de gude, sendo que duas das bolas se tocavam. Chamou a escultura de A Grande Nicada.

Todo o número seguinte da revista do outro foi dedicado a essa obra insana de uma mente doentia que envergonha a inteligência nacional, além de ser mentirosa. “A Grande Nicada é um embuste!” Houve um grande debate em todo o país sobre a validade ou não e as implicações sociopolíticas da arte monumental a partir de A Grande Nicada, mas o artista recusou-se entrar no debate.

Não responderia aos seus críticos. Convidou autoridades e personalidades para um cruzeiro no seu iate, durante o qual seria inaugurada a sua obra mais recente. Tinha comprado uma ilha no Oceano Atlântico. Na praia colocara uma tabuleta, A Ilha. Com a sua assinatura embaixo.

Todos a bordo do iate comentavam a engenhosidade do artista quando tiveram sua atenção atraída para um avião que sobrevoava a ilha, soltando fumaça branca. Era o avião do outro, que escrevia no céu, de horizonte a horizonte: “Que bobagem!” Mas o outro estava preparado. A uma ordem sua, a cúpula do jardim de inverno do iate abriu-se, revelando a existência de um canhão antiaéreo. O avião do outro foi derrubado. Mas antes de mergulhar no mar, escreveu com fumaça no céu: “Não nicou.”

O outro, desesperado, afundou o próprio iate. E naufragou jun
to com os convidados, que não entendiam mais nada, gritando: “Nicou! Nicou!”"Luiz Fernando Veríssimo