domingo, 28 de fevereiro de 2016

Adélia Prado

Érima de Andrade

Conheci Adélia Prado através do livro “Os Componentes da Banda”, uma delícia de leitura.

Para quem não conhece, Adélia Luzia Prado de Freitas, mais conhecida apenas como Adélia Prado, nasceu em Divinópolis, MG, em 13 de dezembro de 1935, e é poetisa, professora, filosofa e contista brasileira de mão cheia. 



Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto. Dela se diz que “em termos de literatura brasileira, o surgimento da escritora representa a revalorização do feminino nas letras e da mulher como ser pensante, tendo-se em conta que Adélia incorpora os papéis de intelectual e de mãe, esposa e dona-de-casa.” Mulher como ser pensante... Inacreditável que ainda se ache isso uma exceção...

Adélia se apresenta em seus contos e poesias, mas esse, em especial, ela explicitamente diz a que veio:

Com licença poética

"Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou." Adélia Prado



No estudo feito por Cristian Pagoto e Mirele Carolina Werneque Jacomel sobre "As Mulheres de Minas: Corpo e Erotismo na Poesia de Adélia Prado",  eles explicam que :

“O tema poderia, ainda, correr o risco de cair na comicidade ou na mediocridade, mas Adélia Prado, ao abordá-lo, revela uma situação do cotidiano que está entre o sério e o cômico, entre o infinitamente trivial e o extraordinariamente lírico. Revela a situação da mulher numa sociedade concreta e real, distante do mundo encantado que durante muito tempo foi o cenário típico onde as mulheres existiam. Assim, ela revela o lado humano e comum da mulher no mundo. Sua vida anônima, seu cotidiano mais prosaico, que não é outro senão o mesmo vivido por todos nós.” 

Essa é Adélia, a que fala com poesia da vida comum e cotidiana. Em “Poesia Reunida”, livro publicado em 1991, ela escreveu o texto “Erótica é a alma”. Se alguém antes duvidava da mulher como ser pensante, eis um bom exemplo de como ela pensa e nos faz pensar:

“Todos vamos envelhecer… Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar. A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos. A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos. O segredo não é reformar por fora. É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar. Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história. Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos. Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios. Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo. Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores. Aprenda: bisturi algum vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio.” Adélia Prado

Que tenhamos todos uma boa semana, sem negligenciar nem a alma, nem o corpo, nem as emoções, nem o intelecto.


domingo, 21 de fevereiro de 2016

Minha canção de ninar

Érima de Andrade

Essa semana foi o aniversário do meu pai. Passei por lá para comemorar com ele.
Sabe essa coisa de almoço de família, sem hora para acabar, que o papo vai se estendendo sem fim a mesa? Pois é, foi assim. E papo vai, papo vem, enquanto tirávamos a mesa, meu pai começou a cantar uma canção. Com as mãos cheias de pratos em direção à cozinha, eu continuei a música. Ele ficou surpreso que eu soubesse a letra, perguntou se eu lembrava? Sim... Do Agnaldo Rayol... Não era essa a pergunta, era se eu lembrava dele cantando! Nesse momento eu soube, ou lembrei, que era a música que ele cantava para eu dormir. Achei tão lindo! Foi tão legal que resolvi contar essa história no blog.

É uma delícia de música, e inesquecível, que papai cantava para mim “em plena praia no céu azul brilhava o sol”... Conhece?

Amo muito meu pai. Somos muito parecidos.
É tão interessante ver minhas reações em outra pessoa. Não dá mesmo para negar que somos pai e filha. Esse poema "Interrelationship" de Thich Nhat Hanh, com tradução livre Leonardo Dobbin, parece feito de encomenda para nós:

Interrelações

“Você sou eu, e eu sou você.
Não é óbvio que intersomos?
Você cultiva a flor em si mesmo,
De forma que eu seja bonito.
Eu transformo o lixo em mim,
De forma que você não terá que sofrer.

Eu te apoio,
Você me apoia.
Eu estou nesse mundo para te oferecer paz,
Você está nesse mundo para me trazer alegria.”


Pai, sou muito abençoada de ter você como meu pai! Obrigada por ter dito sim para essa aventura que é nascer nesse planeta tão incrível. O mundo é muito melhor com você nele. Obrigada pai, por todo amor, apoio e incentivo sempre. O amor é isso, reconhecer no outro o ser divino que ele é, e aos pais cabe nos guiar para que nos descubramos luz. Você, pai, cumpriu muito bem essa missão! Combinado, na próxima vida também viremos juntos!

Que a sua vida seja imensamente feliz, repleta de luz e alegria. Pai, que Deus siga lhe abençoando com muito amor, saúde e felicidade, e tudo mais de melhor do universo.

Bora cantar junto?

Antes da música preciso me explicar. Sempre que posto um vídeo aqui, eu procuro o que tenha melhor qualidade de som e imagem. Mas dessa vez não resisti. Então recomendo fortemente que vocês pesquisem Agnaldo Rayol cantando “A Praia”, tem muitos vídeos de ótima qualidade. Esse que eu escolhi não é muito bom.

Mas esse disquinho... era o que a gente tinha em casa. Era o máximo, um disco quadrado, de papelão, mas que funcionava! "A Praia", uma versão de Bruno Silva para "La Playa", de Jovan Wetter e Pierre Elie Barouth, cantada por Agnaldo Rayol. Vamos cantar?



“Em plena praia no céu azul brilhava o sol
E junto ao mar a meditar coisas de amor
Mal poderia imaginar, que ao sol se pôr,
Encontraria um grande amor

E de repente o amor aconteceu
Unindo para sempre você e eu
Um beijo então calou a nossa voz
Somente o amor falou, falou por nós.

Quando na praia novamente o sol brilhar
Lá estarei e ficarei bem junto ao mar
Perguntarei que ao sol se pôr
Em plena praia eu encontrei um grande amor

E de repente o amor aconteceu
Unindo para sempre você e eu
Um beijo então calou a nossa voz
Somente o amor falou, falou por nós.”


Eu e Papai

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Agir com positividade

Érima de Andrade

Positividade é olhar com honestidade o que acontece no momento e reagir de acordo.

Tenho escrito sobre isso aqui no blog com alguma frequência, mas sempre vale a pena lembrar que
positividade não é, de maneira alguma, olhar a vida por um óculos cor de rosa. É olhar o que lhe acontece no momento e agir de acordo.

A nora de uma amiga querida foi assaltada num arrastão. Levaram tudo, inclusive o carro dela.
Se você tem a felicidade de não saber o que é um arrastão, eu explico: arrastão é um assalto coletivo. Várias pessoas se unem para assaltar, ao mesmo tempo, o maior número possível de pessoas de um mesmo lugar. Uma rua que eles fecham (foi esse o caso), e assaltam todos os carros; um trecho da praia que avaliam como interessante; um restaurante; um shopping; e onde mais a imaginação sugerir. Consiste no roubo coletivo de dinheiro, telefones, relógios, joias, bolsas e às vezes até mesmo a roupa da pessoa que teve o azar de estar ali naquele momento. É muito rápido e muito violento. Eles têm pressa, e você pode se machucar mesmo que não reaja.

Dá para ser positivo num momento assim? Dá.
Positividade é reagir de acordo, e nesse caso, é ir para a delegacia fazer um boletim de ocorrências, o B.O.. Foi o que ela fez.

Não dá para sentar no meio fio e chorar sem fazer nada.
Chore, é mesmo uma situação ruim, mas aja. E liga para um conhecido para ir com você. Não é por que você é positivo que não precisa de apoio. Precisa e merece. Tome as rédeas da sua vida nas mãos, mas vai sabendo que tem muita gente que pode lhe ajudar, nem que seja para chorar junto. Não dá mesmo para abraçar o mundo, mas dá pra abraçar algumas pessoas e fazer a diferença. E minha amiga foi com a nora, para dar a mão, para estar junto, para dizer conta comigo, para fazer a diferença.

Ser positivo é fazer o seu melhor com o que está lhe acontecendo no momento.
É não deixar a impotência tomar conta. É não alimentar pensamentos do tipo, “mas não vai adiantar nada...”. Vai sim, o seguro do carro pede o B.O., e cobra da policia a solução. E carros são recuperados, e ladrões são presos. Tem muita injustiça por aí? Tem, mas também tem justiça acontecendo.

Esse é o caminho da positividade, fazer o melhor possível com o que lhe acontece.
É assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas e decisões, é encarar as falhas como aprendizados, é abraçar o novo sempre que o antigo não mais parecer satisfatório, é aceitar os obstáculos como necessários.

Aceitação não é o mesmo que resignação.
Resignação tem a ver com conformismo, com aceitar mesmo não concordando. Resignação traz sofrimento, pois mantém o desejo que a realidade seja diferente da que se apresenta. Nos resignamos sempre que não nos movemos em direção ao que desejamos para a nossa vida.

Aceitação é a ação que nasce da presença no aqui e agora, tem a ver com uma atitude ativa, com olhar com honestidade o que lhe acontece, com procurar as melhores opções no momento. A aceitação não nos agride. Ao aceitar assumimos a realidade sem sofrer por ela, percebemos uma razão para o fato e aceitamos. 

Agir com positividade alimenta, em nós, a esperança, a convicção de que aquilo que desejamos é possível, ainda que tudo indique o contrário. Sou apaixonada por essa explicação de G. K. Chesterton: ““Contos de fadas não dizem às crianças que dragões existem. Crianças já sabem que dragões existem. Contos de fadas dizem que dragões podem ser mortos.” Essa é uma lição que não podemos esquecer, os dragões podem ser vencidos. E nem ao menos precisamos lutar sozinhos contra eles. Os dragões podem ser vencidos, e os amigos estarão sempre ao nosso lado. É bom saber disso.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Levata, sacode a poeira e dá a volta por cima

Érima de Andrade

Carnaval é realmente a grande festa do povo brasileiro. Moro numa rua quase sem trânsito, 1,5km da estrada principal, e mesmo assim
não tem como esquecer que é carnaval. Resolvi então escrever sobre isso, aproveitar a folia e falar sobre resiliência: levanta sacode a poeira e dá a volta por cima...

Acredito que todo mundo já cantou esse samba um dia. Mas
quais são as qualidades dos que realmente dão a volta por cima? Rosario Linares fez uma lista com doze características das pessoas que praticam a resiliência:

1 – “São pessoas que tem consciência das suas potencialidades e limitações” - Saber até onde você pode ir, lhe dá segurança. Saber suas limitações lhe ajuda a não criar expectativas irreais. E isso nem de longe significa que você tem que se limitar. Resilientes usam suas potencialidades para superar suas limitações ampliando seu campo de atuação.

2 – “Resilientes são pessoas criativas” – Felicidades e frustrações mudam o comportamento, e as pessoas resilientes transformam sua experiência dolorosa em algo belo e útil. E isso nos leva a próxima característica dos resilientes.

3- “Reconhecem as dificuldades como uma oportunidade para aprender”- Sempre se perguntam: o que eu posso aprender com isso? Me faz lembrar uma historinha: “Discípulo: Como faço para ter sua sabedoria? Mestre: Faça boas escolhas. Discípulo: E para fazer boas escolhas? Mestre: Tenha experiências. Discípulo: E para ter experiências? Mestre: Más escolhas.” Pois é, no mínimo você adquire experiência para boas escolhas.

4 – “Resilientes confiam em suas capacidades” - Se prepararam, estudaram, colocaram em prática e sabem que são capazes. Se você souber tudo sobre natação, mas nunca entrar na água para colocar esse conhecimento em prática, não tem como confiar na sua capacidade de nadador. A autoconfiança vem da disciplina na prática diária de qualquer coisa que você resolva aprender: nadar, falar um idioma, correr, desenhar, etc. E enfrentar a insegurança com otimismo é uma competência que também pode ser aprendida.

5 – “Praticam a consciência plena adquirida na meditação” - Usam essa prática milenar para estar sempre no momento presente, vivendo no aqui e agora, aceitando com gratidão e amorosidade a realidade que se apresenta, pois sabem que é exatamente o que precisam viver. Simples assim, se é o que você está vivendo, tem aí alguma coisa que você precisa aprender.

6 – “Resilientes veem a vida com objetividade, mas sempre através de um prisma otimista” – Conhecem o seu potencial, têm clareza das suas metas e dos recursos que têm ao seu alcance. Veem com otimismo o caminho que ainda têm que percorrer.

7 – “Buscam conviver com pessoas que tenham atitudes positivas” - Uma visão positiva dos acontecimentos torna mais fácil focar nos talentos ao invés dos defeitos. Atitudes positivas não significa olhar o mundo com um óculos cor-de-rosa. Positividade é olhar com honestidade o que acontece no momento e reagir de acordo.

8 – “Pessoas resilientes não tentam controlar as situações” – Uma das principais fontes de tensão e estresse é o desejo de querer controlar todos os aspectos da nossa vida. A tentativa de controle total frustra, estressa, trava a flexibilidade e a criatividade. Pessoas resilientes passam longe dessa armadilha, com autoconsciência podem se olhar e falar: “olha eu de novo querendo ser o dono do mundo...” E relaxam.

9 – “Resilientes são flexíveis diante das mudanças” - As pessoas resilientes têm consciência da sua capacidade e sabem perfeitamente onde querem chegar. Mas também tem flexibilidade suficiente para adaptar seus planos e mudar suas metas quando isso for necessário. Elas sabem que existem momentos da vida em que somos desafiados a compreender a importância de caminhar deixando paisagens para trás e se abrem para o novo.

10 – “Resilientes são tenazes nos seus propósitos” – Ser flexível não implica de maneira alguma em renunciar as suas metas. Se tem uma coisa que se destaca nos resilientes é a perseverança e a capacidade de lutar pelo que deseja. Perseverança não tem a ver com teimosia. Teimosia é quando você faz sempre a mesma coisa esperando um resultado diferente. Perseverança é quando você procura maneiras diferentes de fazer algo em busca dos seus objetivos.

11 – “Enfrentam a adversidade com humor” – uma das características essenciais das pessoas resilientes é o seu senso de humor. Elas são capazes de rir das suas dificuldades e fazer piadas dos seus infortúnios. O bom humor não se identifica com as dificuldades. A alegria dos bem humorados estimula a criatividade, a flexibilidade e a cooperação, e por isso mesmo, enxergam saídas, soluções e oportunidades onde os mal humorados veem apenas rigidez e estagnação. Com jogo de cintura dá até para perceber que o caminho é outro e parar de dar murros em ponta de faca.

12 – “Buscam ajuda dos amigos e apoio social” – quando as pessoas resilientes passam por um evento potencialmente traumático, seu primeiro objetivo é superá-lo. Mas elas têm consciência da importância do apoio social, e não tem nenhuma dificuldade para buscar ajuda profissional quando necessitam. Cultivam amizades, têm um interesse genuíno pelos problemas dos outros e vontade de enxergar pontos positivos mesmo em momentos de crise. Sabem que não precisam caminhar sozinhas, e que podem contar com os amigos nos fracassos e nos sucessos.

E já que ainda é carnaval, vamos cantar o hino da resiliência, “Volta por Cima”, música de Paulo Vanzolini?


Chorei, 
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim, não precisava
Ali onde eu chorei
Qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei
Quero ver quem dava
Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher
Venha lhe dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira
E dá a volta por cima.