Érima de Andrade
José Carlos Ferrigno, psicólogo e
especialista em envelhecimento, afirma que “a chave para envelhecer
bem é o autoconhecimento”.
Ele acaba de lançar um livro, “Conflito
e Cooperação entre Gerações”, sobre o novo perfil da velhice e
diz: “O desafio maior é envelhecer em paz, sem a pressão de um
ideal.”
Confira
abaixo a entrevista que ele deu a Renata Reif, do iG:
iG: Como é a relação entre o idoso e o
jovem?
José
Carlos Ferrigno: O segredo é entender a fina dialética entre o
velho e o novo. Afinal, um depende do outro. A transmissão dos mais
velhos aos mais jovens é reelaborada para que os jovens apresentem a
novidade. A esperança está sempre na inovação que as gerações
vão trazendo. Na Alemanha e na Grã-Bretanha, por exemplo, as
gerações trabalham lado a lado, ombro a ombro. O alvo dos programas
intergeracionais não é beneficiar as relações em atividade, mas
sim a comunidade. É um passo adiante.
iG:
O que esses programas têm a nos ensinar?
José
Carlos Ferrigno: Eles representam um norte, um ideal a ser
perseguido. Não se trata mais de motivar os jovens e velhos a
interagirem em atividades culturais. E sim ter o grupo
intergeracional, formado e consciente de suas responsabilidades
sociais, trabalhando para a comunidade. Eles têm como objetivo o
desenvolvimento da amizade e da coeducação entre gerações. Isso
significa que uma geração tem muito a ensinar a outras em função
de suas experiências.
iG:
O que uma geração pode agregar à outra?
José
Carlos Ferrigno: O repasse dos mais velhos para os mais jovens tem a
ver com a importância da tradição, do conhecimento, de valores
éticos. Já dos jovens para os mais velhos tem a ver com novas
tecnologias e com uma maior flexibilidade para lidar com questões
mais polêmicas, como sexualidade e drogas.
iG:
Quais são os maiores desafios da velhice hoje?
José
Carlos Ferrigno: O desafio maior é envelhecer em paz, sem se sentir
pressionado por um ideal, e ficar menos vulnerável à pressão de
consumo. São muitos apelos por um envelhecimento saudável, mas
percebe-se forte manipulação na mensagem dirigida aos idosos. Há
uma indústria milionária vinculada a atividades físicas, cirurgias
plásticas, cosméticos e medicamentos, que impactam fortemente a
velhice.
iG:
Isso significa que envelhecer bem tem mais a ver com a cabeça do que
com o corpo?
José
Carlos Ferrigno: A chave é o autoconhecimento e saber o que se quer
para a velhice. Os budistas já diziam que não é possível
desconsiderar a opinião dos outros, mas é possível minimizá-la e
ganhar liberdade. Tem que haver esforço para a pessoa não ficar
presa à aparência e necessitada da opinião alheia. Se a pessoa
quiser malhar, tudo bem. E se ela quiser uma vida mais tranquila e
parada, ela também merece respeito por sua decisão.
iG:
São diferentes as velhices no Brasil?
José
Carlos Ferrigno: Sim, há um contraste do ponto de vista cultural,
econômico e de oportunidades. Além de pressões de ordem material,
há os diferentes estilos de vida. A velhice de um trabalhador rural
tem a grande vantagem do contato com a natureza mas, por outro lado,
este velho pode perder experiências interessantes mais encontráveis
em uma região urbana. E vice-versa. Portanto, o melhor lugar para um
velho pode ser tanto a paz do interior, como a agitação das grandes
cidades.
iG:
O que modificou o perfil da velhice?
José
Carlos Ferrigno: Principalmente em classes médias e altas, que têm
mais acesso ao consumo, há uma nova imagem de velhice. Nota-se uma
outra postura, uma vontade maior de participação na sociedade e de
experimentar novidades tecnológicas. Os velhos de hoje adotam um
estilo de vida que pode aproximá-los dos jovens. Mais recentemente,
esses movimentos começam a tornar menos intensa a separação das
gerações.
iG:
O que é “ficar velho” hoje em dia?
José
Carlos Ferrigno: Os velhos e jovens se vestem de modo cada vez mais
parecido. A própria internet cria situações em que um jovem pode
se passar por um velho ou o contrário. Mas aproximar não significa
conviver bem, os desafios se mantêm. O que está em jogo é a
qualidade dessa relação, que precisa de boa vontade mútua.
iG:
O que os idosos podem cobrar da sociedade?
José
Carlos Ferrigno: Há vários problemas e um deles é econômico. A
maioria dos idosos depende do INSS e recebe de um a dois salários
mínimos, o que dá cerca de R$ 1.000. A complementação do INSS,
como a previdência privada ou a poupança, fica restrita à classe
média. Há também a questão da saúde. Ainda não existe
atendimento digno na saúde deste país. E o atendimento de convênio
custa caro e também deixa a desejar.
iG:
E que espaço eles, os mais velhos, poderiam ocupar?
José
Carlos Ferrigno: A gente tem uma perspectiva de que os velhos podem
ter um papel e uma função social que não existia antes. Isso tende
a crescer nos próximos anos. É a compreensão de que o
envelhecimento não determina incapacidade e incompetência
significativas. Também não se pode só dourar a pílula, há uma
perda sim. Porém, a velhice não pode ser vista do ponto de vista
das limitações, mas de suas potencialidades.
iG:
Qual o cenário ideal?
José
Carlos Ferrigno: Em vez de enfatizar o diabetes, a insuficiência
cardíaca, aquilo que é precário, vamos olhar a funcionalidade do
sujeito. Ou seja, não é a visão da doença, e sim da pessoa. A
ênfase do papel social do idoso faz com que ele passe a se
valorizar, evitando o desespero, aquela sensação de que está
chegando no fim da linha. Essa postura da sociedade dá autoconfiança
para o idoso superar as dificuldades.
iG:
O velho é mais livre hoje em dia?
José
Carlos Ferrigno: Com as atividade físicas e culturais, o velho passa
a ter mais liberdade e menos tempo para a família. Não é que a avó
deixou de gostar dos netos, mas agora ela tem uma agenda e tem que
negociar os horários. Não está mais o tempo todo à disposição
para ajudar ou ser mão de obra.
iG:
Como lidar com idosos mais fragilizados?
José
Carlos Ferrigno: Sugiro que os filhos e netos parem para pensar em
tudo aquilo que esses velhos fizeram durante a sua vida e que levaram
a família a estar onde está. Isso implica no desenvolvimento de
empatia e compreensão, inclusive pensando na própria velhice. A
questão é perceber a necessidade do outro, dialogar e se interessar
pelo outro.
iG:
Quais são os conselhos práticos?
José
Carlos Ferrigno: O ser humano é o único animal que faz da refeição
um momento de confraternização. Mas perdemos o antigo hábito de
jantar em família. Hoje tem micro-ondas e cada um tem seu quarto,
sua TV. Cada pessoa chega em um horário, esquenta a comida no micro
e vai para o quarto. O diálogo diminuiu, por isso as pessoas
precisam conversar mais. Os finais de semana podem ser uma
oportunidade de a família se re-encontrar. Folhear álbuns de
família também pode ser de muito valor para recuperar a história
familiar e gerar o enraizamento dos mais jovens.