domingo, 26 de fevereiro de 2017

Bons Livros Brasileiros

Érima de Andrade

Se você não curte carnaval, talvez se interesse em usar esses dias para uma leitura. Sem nenhum planejamento especial para isso, me dei conta que, desde o natal,
estou lendo pelo menos um livro por semana.

Provavelmente não vou manter esse ritmo o ano todo. Mas também não vou ficar totalmente longe dos livros. E tenho ajuda para não ficar longe das leituras.

Amigos vivem me sugerindo uma leitura boa, amigos também lançam livros, e claro, eu compro e leio, amigos me dão sugestões para estar sempre próxima de uma leitura bacana.

A sugestão mais recente, foi um site chamado Leia Brasileiros. É um site muito legal, que tem por missão divulgar autores nacionais. O site começa contando que a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2015, descobriu que em média, o brasileiro lê apenas dois livros inteiros por ano.

O Giovanni Arceno, criador e responsável pelo site, imagina que se a pesquisa fosse apenas sobre literatura nacional, esse número seria bem menor, bem mais perto de zero. Por conta disso, ele resolveu compartilhar, por e-mail, um trecho de uma obra nacional todos os dias úteis da semana.

Ele não se prende nem ao gênero da escrita, nem ao ano da publicação. Vai mandando de maneira aleatória trechos de autores mega conhecidos e autores iniciantes. Quem sabe lendo um trechinho a gente se anima e vai atrás de ler o livro inteiro? E numa próxima pesquisa melhoramos esses números?

Se interessou? Para também receber os trechos, basta se inscrever, gratuitamente, no site http://www.leiabrasileiros.com.br/.

Eu estou gostando muito dessa experiência, por isso quis compartilhar aqui no blog. Gosto de divulgar, da maneira que consigo, as ideias bacanas que existem por aí. E essa é sim uma ideia bem bacana.

Eis alguns trechos que recebi, para você ter uma ideia do que chega no email. Tomara que sejam inspiradores para você se inscrever no site, e posteriormente, ler o livro. 

“A bem dizer sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em tempos verdes da infância, com uns padres-mestres a dez tostões por mês. Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro mais de um doutor formado. Mas disso não faço glória, pois sou sujeito lavado de vaidade, mimoso no trato, de palavra educada. Já morreu o antigamente em que Ponciano mandava saber nos ermos se havia um caso de lobisomem a sanar ou pronta justiça a ministrar. Só de uma regalia não abri mão nesses anos todos de pasto e vento: a de falar alto, sem freio nos dentes, sem medir consideração, seja em compartimento do governo, seja em sala de desembargador. Trato as partes no macio, em jeito de moça. Se não recebo cortesia de igual porte, abro o peito:
— Seu filho de égua, que pensa que é? “


Pág. 6 de 'O coronel e o lobisomem', de José Cândido de Carvalho (1964)

“Aquilo estava me matando.
Literalmente. É isso que uma corda amarrada no seu pescoço faz.
Principalmente quando se está pendurada e o peso do seu corpo fica apertando o nó… Sabe, tipo enforcamento?
— Vamos, vamos, podem descer ela.
As criaturas — sim, criaturas com metade da inteligência de um cachorro bem estúpido e três vezes a força de um cavalo — olharam para Nani.
— Não me façam repetir. É sério, soltem ela.
O maiorzão do grupo me segurou pelas pernas e eu parei de sufocar. Outro cortou a corda com uma das unhas e o terceiro fez o favor de me colocar no chão
Eu estava quase desmaiando...”


Conto 'Aceita viajar pela empresa?', publicado na Revista Trasgo, de Jéssica Borges (2017)

“Quer dar uma volta?
(gira os pedais para trás para que a correia ressoe a pergunta)
Eu não tenho bicicleta.
Tudo bem. Posso deixar a minha aqui?
Havia colocado aquelas continhas coloridas que ficam girando nas rodas, caindo e subindo como ampulhetas. Atravessamos a sala com esse som, até o jardim. Tomás diz: poxa, é legal aqui. Isso enquanto ele tirava as luvas. As luvas sem dedo de ciclista com as palmas encardidas que você deve usar se quer sentir cada poça como um grande desafio.
Saímos juntos para a rua, para a pracinha. Faz um calor de matar. As outras crianças preferem brincar nas suas casas, até porque na praça há um bocado de sujeira dos caras de jaqueta de couro que aparecem durante a noite e ficam rindo hohoho não hahaha pois são muito machos e suas garrafas de cerveja rolam pelos degraus da praça.”


Conto 'A caixa', do livro 'Pó de Parede', de Carol Bensimon (2010)


“— Já parou pra pensar que dia foi que aconteceu? Tipo, que dia foi que a gravidez aconteceu?
— Não sei ainda de quanto tempo eu tô.
Quando percebemos, já tinha acabado a cerveja e nós estávamos bêbados e tontos, rindo pra caralho e sem motivo. Vitória levantou da cadeira, abriu os braços e começou a andar pisando nas fugas do piso, colocando um pé em frente ao outro, como uma equilibrista na corda bamba. Fiz o mesmo, indo na direção contrária, claramente com mais dificuldade que ela. Durante um tempinho ficamos concentrados em atravessar o percurso sala-cozinha. O álcool fez com que a brincadeira se tornasse um teste sério de equilíbrio. Deu pra ouvir o suspiro aliviado dos dois quando finalmente conseguimos chegar no fim. Daí voltamos ao normal. Sentei na cadeira e Vitória sentou no meu colo, acorrentando os dois braços por trás do meu pescoço. Perguntou o que eu achava de tomarmos banho juntos.”


Pág. 10 de 'Vitória', de Giovanni Arceno (fev/2017)

“Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada custei reconhecer o quarto da nova casa em que estava morando e não conseguia me lembrar de como havia chegado até ali. E a insistente pergunta, martelando, martelando. De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha sido um mero pensamento interrogativo, naquela noite se transformou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom acusatório. Então, eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe?”

Conto 'Olhos d'água', do livro 'Olhos d'água', de Conceição Evaristo (2014)

“Devia de ouvir pouco, pois a comitiva já quase o alcançara e ele ainda não dera por isso. Ora, pela calada do dia, ali é lugar de muito silêncio. Assim que, o Gorgulho calçava alpercatas, sua roupa era de sarja fusca, formato antigo — casacão comprido demais, com gualdrapas; uma borjaca que de certo tinha sido de dono outro — mas limpa, sem desalinho nenhum; via-se que ele fazia questão de estar composto, sem em ponto algum desleixar-se. E o que empunhava era uma bengala de alecrim, a madeira rôxo-escura, quase preta.
E, nisso, de arranco, ele esbarrou, se desbraçando em gestos e sestros, brandindo seu cacete.
Fazia espantos. Falou, mesmo, voz irada, logo ecfônico: — Eu?! Não! Não comigo! Nenhum filho de nenhum… Não tou somando!”


Conto 'O recado do morro' do livro 'Corpo de baile', de Guimarães Rosa (1956)

“O mato em silêncio. Da varanda, ele contemplava. Árvores imóveis, vegetação estática. Era preciso certa concentração para perceber que ouvia cigarras. A trilha-sonora-paisagem não dizia nada. Olhava para aquele mato atrás da casa e imaginava que vida deveria haver lá, onde estava a vida. Por todos os lados. As árvores silenciosamente respirando. Folhas chorando em sereno. Sementes brotando lentamente, irrompendo da terra, vencendo um sepultamento prematuro. Sepultadas para nascer. E por trás de tudo isso, os insetos. Por trás de cada folha, dentro das cascas, misturados aos galhos, invisíveis, milhões de corpos a pulsar. E répteis, anfíbios, mamíferos, aves dormindo. Pássaros sonhando, pousados, desaparecidos. Se pudesse absorver toda a vida que se escondia à sua frente, explodiria.”

Pág. 33 de 'Biofobia', de Santiago Nazarian (2014)

“De noite, ia até o observatório cumprir o tempo que me faltava para concluir o curso, aquele absurdo que minha família abominava.
— Só o que faltava. Filho meu passar a noite inteira olhando estrela. Vai morrer de fome, e eu vou ter que pagar o enterro!
Meu pai não tinha muita paciência com elas. Pior para o velho. As estrelas iam durar mais que ele. Padecia de um dos males mais comuns da sua turma: ver o filho médico, advogado, engenheiro, um filho cheio de dinheiro. E lá estava eu que não sabia nem para que o dinheiro servia. Nem imaginava que ele trabalha sozinho, que pode fazer milagres sozinho, crescendo, num banco, como os pães e peixes que Jesus multiplicava.”


Pág. 33 de 'Agora é que são elas', de Paulo Leminski (2011)

“Eram exatamente cinco horas da manhã quando Samuel começou a acordar, atormentado, confuso. Ouvia vozes de mulheres, várias, falando ao mesmo tempo. Falando, falando, falando. Parecia reza, briga, conversa, tudo ao mesmo tempo. Talvez fosse pesadelo, pareciam as mulheres do Horto. Sentou-se, assustado, acordado, mas as vozes não paravam. Mais alto, mais forte e, sim, era reza. Parecia a voz das carpideiras amigas de Mariinha, tirando o terço quando morria gente. Samuel saiu correndo daquela gruta maldita sem lembrar que a perna estava ferida com a mordida do cão, que estava fraco, faminto, cansado, e caiu no chão poucos metros depois. Não tinha mulher nenhuma rezando ali, não havia ninguém por perto, nem os cachorros da noite. Do lado de fora, só mato, chuva fina e silêncio, não se ouvia nenhuma voz, nem o sol fazia nenhum barulho para acordar.”

Pág. 22 de 'A cabeça do santo', de Socorro Acioli (2014)

Vou entrar na brincadeira com um trecho de um livro da minha estante.

“E ali permanecem aguardando pacientemente a chegada do veículo...
- Esse Marques não tem jeito não é, Daniel? – Diz Rodrigo.
- Estou pensando seriamente em manda-lo nessa missão, meu amigo.
- Você tem certeza disso, Daniel? Marques nunca participou desse tipo de tarefa na Terra.
- Pois é, Rodrigo, preciso que Marques evolua essa parte; preciso que saiba trabalhar a paciência. E isso só vou conseguir, se eu introduzi-lo nas missões, ou pedindo para ele reencarnar.
- Nisso você tem razão – diz Rodrigo.
- O que eu faço? Mando-o na missão ou peço a ele para reencarnar? O que você faria Rodrigo?
- Perdoe-me Daniel, mas essa escolha é de sua sabedoria – diz Rodrigo, humildemente.
- Pois é, estou esperando uma resposta da nossa Mentora espiritual.
- Você falou com ela? – Pergunta Rodrigo, ansioso.
- Sim – diz Daniel.
- E o que ela lhe respondeu?
- Ela ainda não me respondeu – diz Daniel."


Pág. 55 de ‘A Batalha dos Iluminados’, de Osmar Barbosa (2016)

E, por fim, um livro/agenda, que descobri esse ano. É uma agenda sem data, que ajuda a organizar suas estratégias para as mudanças que deseja para sua vida.

“ O objetivo do “Remos para Rumos” é estimular grandes sonhos, mas ajudar a quebra-los em pequenas tarefas, para que realmente sejam realizados. É também desafiar a si próprio, para sua própria evolução e construção de um caminho seu, de fato. É ajudar as pessoas a organizarem seus pensamentos, realizarem seus sonhos, incorporando no dia-a-dia. Afinal, sonhos são construídos com passinhos de formiga, e precisam de muita dedicação. ”


Contra capa de ‘Remo para Rumos’ (Reorganizar Estratégias, Mudanças e Objetivos Para Realizar sem Utopias as Maravilhas dos Sonhos), de Silvia Strass (2016)

Pulando ou não nesse carnaval, que você tenha uma ótima semana.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

De novo neuróbica

Érima de Andrade

Neuróbica é uma palavra criada pelos neurocientistas.
Significa aeróbica dos neurônios, ou um tipo de ginástica cerebral.

Sabemos que
quando pensamos em qualidade de vida, pensamos em alimentação saudável, atividade física, sono de qualidade, lazer. Isso tudo é, de fato, muito importante para ​o bem-estar físico. Mas especificamente para o bem-estar cerebral, o importante é hidratação e oxigenação.

Para o nosso cérebro funcionar bem, beber água é fundamental. Se você disser que não bebe água porque não sente sede, vou lhe dizer que você é um desidratado crônico. Seu organismo desistiu de lhe mandar sinais de falta de água. Nesse caso você precisa reaprender a beber água.

Leu isso, saiu correndo e bebeu um copo cheio de água. Tudo bem... mas dá uns 20 minutos, e essa água vai sair toda pela urina. É o mesmo que uma chuva de verão num solo ressecado, a água espirra sem penetrar. Seu organismo quase não aproveita essa água que vem de repente depois de muito tempo sem beber.

Reaprender a beber água significa bebericar água ao longo de todo dia. De hora em hora, ou num intervalo menor que isso, beba uma xicrinha de café de água. Aos poucos a sensação de sede vai retornar, e você estará hidratado de novo. Ou deixe uma garrafinha de água sempre à mão, e dê 2 a 3 goles de tempos em tempos. Seu cérebro vai agradecer.

Além de hidratar, é importante também oxigenar. Para oxigenar bem é preciso respirar bem. De modo geral, nessa vida atribulada, respiramos curto, só com a parte de cima dos pulmões. Isso significa que trocamos só o ar da parte superior dos pulmões. O ideal é trocar todo ar a cada respiração completa.

Você já viu um bebê respirando? Repara bem, ele inspira a barriga sobe, ele expira a barriga desce. Observe agora a sua respiração, sua barriga mexe quando você respira? Se não mexe, você não está respirando com todo seu pulmão, ou seja, não está trocando todo o ar.

Experimente agora, coloque sua mão em cima do umbigo e apenas respire. Sua mão mexe?

Agora respira com a intenção de mexer sua mão. Inspira, expira. Fez diferença?

Essa é a respiração abdominal. E esse é um bom exercício para fazer de vez em quando. Você pode colocar uma almofadinha na barriga, ou um travesseiro, quando estiver deitado, e respirar com a intenção de mexer com ele.

Inspirar é importante, mas expirar soltando todo ar velho é mais importante ainda. Então sopre o ar para fora tentando encostar o umbigo lá na coluna.

Você pode exercitar a respiração contando tempo, contando, por exemplo, até 4. Enche de ar contando até 4, segura cheio contando até 4, solta contando até 4. Cinco minutinhos por dia praticando a respiração abdominal e consciente, vai fazer maravilhas pelo seu cérebro.

Voltando ao corpo. Você, ou alguém que você conhece, já precisou imobilizar algum segmento do corpo, uma perna, um braço? Sim? E o que acontece quando depois de uns quinze dias, tira a imobilização? Por exemplo, quinze dias com a perna engessada. Quando tira o gesso, a perna está mais fina que a outra, não é? Chamamos isso de atrofia por desuso. Voltando a movimentar, o tônus muscular se normaliza nessa perna.

E com o cérebro, o que provoca nele a “atrofia por desuso”? A rotina. A rotina facilita a vida, já fazemos tudo no automático, por hábito, e nem pensamos mais no que estamos rotineiramente fazendo. É muito positiva para as crianças, lhes dá segurança e tranquilidade. Nos adultos a rotina evita a multiplicação de decisões a serem tomadas. Se por um lado isso é desejável, por outro, o excesso de rotina, esconde o efeito perverso de limitar o cérebro. Entra num processo de desuso, perde flexibilidade, atrapalha a cognição, ou seja, a capacidade de assimilar conhecimento.

Chico Buarque até fez uma música falando disso: todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode as seis horas da manhã... e segue.

A gente também faz tudo sempre igual. Acorda, faz a higiene, se arruma, dá bom dia em todos os grupos do WhatsApp, toma café, e os mais animados, saem para uma caminhada antes de ir trabalhar. Não é assim seu início de dia, com pequenas variações? Pois é, essa rotina automática provoca a atrofia por desuso do seu cérebro. É preciso exercitar.

Da mesma maneira que a atividade física que solicite mais grupos musculares é a mais benéfica para o corpo, os exercícios neuróbicos que utilizem mais sentidos e habilidades, são os melhores para o cérebro.

Ou seja, exercitar tato, olfato, paladar, audição e visão é ótimo. Acrescentar aspectos emocionais e sociais aos exercícios, é melhor ainda.

Aqui cabe um parêntese. (Um dos possíveis efeitos colaterais da quimioterapia é o déficit cognitivo. A concentração, a atenção, a aprendizagem, ficam prejudicadas. Fica uma sensação da cabeça não estar funcionado bem. Nesses casos, os exercícios neuróbicos também ajudam.)

Falei, falei, falei, e não apresentei nenhum exercício. Então vamos praticar, usando alguma coisa que seja do dia a dia. Por favor, fale em voz alta os nomes dos dias da semana começando por segunda-feira.

Você fez algum esforço para lembrar dessa sequência? Imagino que não. Os dias da semana já estão incorporados na rotina, já é um hábito. Então vamos sair do hábito. Por favor, fale em voz alta os dias da semana em ordem alfabética.

Deu um pouco mais de trabalho, não é? Esse esforço que você fez nesse exercício, é muito estimulante para o seu cérebro. Esse é um exemplo de exercício neuróbico. Aliás, qualquer coisa que você fizer que saia do automático, ou da rotina, pode ser considerado um exercício neuróbico.

Você não precisa de nada muito especial para praticar neuróbica. Por exemplo, quem usa relógio de pulso, ou mouse no computador, se colocar num braço diferente do que está acostumado, já estará fazendo neuróbica. É claro que quebra-cabeças, palavras cruzadas, aprender alguma coisa nova, fazem muito bem para o cérebro. Mas no seu dia-a-dia você também pode fazer neuróbica.

Vamos pensar juntos. Se todos os dias você senta no mesmo lugar para fazer as refeições, se mudar de lugar, você já estará se exercitando. Ao mudar de lugar, você estará oferecendo ao seu cérebro, estímulos de som e luz diferentes do seu dia-a-dia.

Também pode se exercitar ao tomar banho. A caminho do chuveiro, feche os olhos, localize a torneira e regule a quantidade de água. Depois, ainda de olhos fechados, sem ver nada, diferencie o xampu do condicionador pelo cheiro. Passe o sabonete no seu corpo prestando atenção as suas sensações. E ainda de olhos fechados, enxugue-se e vista a roupa utilizando somente o seu instinto. Nem precisa fazer tudo de uma vez. Pode um dia tomar banho de olhos fechados, e num outro dia, se vestir de olhos fechados.

Ao longo do dia, você pode criar várias situações para estimular seus sentidos. A vida diária é mesmo a academia ideal para a aeróbica da massa cinzenta. Os exercícios obrigam o cérebro a reagir a novidade, ao desafio, fazendo que a atividade neural aumente, melhorando a saúde geral do cérebro. Tudo de bom.

Vou escrever algumas atividades para lhe inspirar a criar as suas, ou a se exercitar com minhas sugestões de exercícios neuróbicos:

Ao acordar
Movimente suas articulações antes de sair da cama;
Espreguice-se;
Ouça música;
Escove os dentes de olhos fechados; ou escove com a mão contrária da de costume;
ou pinte seu rosto sem auxílio do espelho;
Coma sua refeição observando a diferença nas texturas.

Ao longo do dia
Mude o caminho para ir para o trabalho;
Faça uma caminhada, pelo menos 30 minutos, observando diferenças nos pisos, na luz, nos sons. Ou ande pela casa de trás para frente;
Tente ver as horas num espelho;

Faça fotografias;
Veja fotos de cabeça para baixo.

Depois do trabalho
Tome um banho com óleos perfumados;
Perceba a textura da toalha ao se enxugar.

Na hora do jantar
Faça um lanche leve e de olhos fechados tente identificar o nome dos alimentos, e diferenciar os sabores azedo, picante, doce, salgado e amargo;
Procure participar da preparação do seu alimento, cortando, cozinhando, misturando, etc.

À noite
Faça massagens nos pés, pode usar bolinhas de gude, massageador elétrico ou suas próprias mãos.

No seu tempo livre
Beba água com gás, concentrando-se nas bolinhas na boca;
Estimule o paladar comendo coisas diferentes;
Explore os vários cheiros;
Busque uma atividade tátil: argila, pintura, escultura, castelos de areia, massinha, colagem com grãos e sementes, bordados, costuras, tecelagem, etc;
Diferencie as diversas texturas do seu dia: sabonete, creme de barbear, massas de biscoito, de pão, etc;
Dê um passeio concentrando-se nos vários sons;
Entre em contato com a natureza, na rua em parque ou jardim, ou em casa com vasos ou hortinha caseira;
Pratique um hobby.

Reparou que não tem nada impossível de fazer? Se você se comprometer a pelo menos uma vez por semana, fazer alguma coisa diferente, ou um exercício neuróbico, em pouco tempo perceberá melhoras na atenção, concentração, memória e aprendizagem.

Espero que você escolha manter seu cérebro saudável.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Ignorância e Preconceito

Érima de Andrade

Preconceito é um conceito pré, ou seja, um conceito antes.
Um conceito formado antes de você se informar sobre todas as alternativas possíveis nessa situação que seu preconceito condena.

A primeira informação que seu preconceito dá sobre você, é que você é ignorante.
Você ignora informações úteis para perceber que, mesmo que não seja como você, o outro também está certo.

Se você se perceber preconceituoso, em qualquer situação que seu preconceito aparecer, faça esse exercício de se perguntar se
o outro está mesmo errado, ou apenas pensando, ou fazendo, diferente de como você pensa ou faz? E se abra para a resposta. Ela pode surpreender.

A informação cura o preconceito. Contra qualquer tipo de preconceito,
é a informação que vai lhe salvar desse labirinto de ideias e crenças limitantes, rígidas e ultrapassadas.

Informe-se e olhe, com abertura, para o outro lado da sua opinião. Você vai confirmar que mesmo diferente de você, o outro também pode estar certo.

Quanto mais você acreditar no que ouviu na infância, mesmo com a melhor das intenções dos seus pais, professores, ou outros adultos que conviviam com você, ou até mesmo no que falavam outras crianças, mais preconceitos você terá.

É claro que é para respeitar e honrar a maneira que seus pais escolheram para lhe educar. Com certeza eles fizeram o melhor que puderam. Mas já está na hora de você pensar se as ideias que carrega são de fato suas, ou se você aprendeu e cristalizou como verdade absoluta.

Antes de dar força para o seu preconceito, coloque-o sobre uma nova ótica, sobre o olhar informado que você adquiriu na vida adulta, e confirme se o que você ouviu a infância toda, é de fato uma verdade.

Lembrei de uma história fofa contada por um dos meus professores de física. A mãe dele o estimulava a pensar, mostrava, por exemplo, como uma batata amolecia quando cozinhava. Ela de fato foi muito responsável pela escolha profissional que ele fez. Mas ela não tinha estudo, e tirava conclusões com a informação que tinha. Ele lembra, com carinho, da mãe mostrando para ele que o calor estava tão intenso, que até o copo com gelo suava. Ela velhinha, continuava a mostrar o copo suando de calor. Por respeito, por ternura, por amor, ele nunca a corrigiu.

Vale perguntar, seria possível se formar, e se tornar professor de física, sem se abrir aos outros olhares aprendidos com os estudos? O que você acha, seria possível? Uma história simples, fofa, mas espero que tenha lhe ajudado a perceber como uma informação errada ouvida repetidas vezes na infância, pode limitar o seu universo. O dele, ele permitiu que se ampliasse.

Lembrei de outra história, dessa vez uma criança criando caraminholas na cabeça de outra criança. Um irmão, avisou a sua irmã, para que ela estivesse prevenida, que a feijoada era feita com pedaços de porco. Ela deveria tomar muito cuidado, pois o que ela pensava que era um grão de feijão, podia muito bem ser o olho do porco. Já adulta, quando viu a preparação de uma feijoada desde o momento que os ingredientes foram separados (e só viu porque não tinha como fugir), ela se deu conta que o irmão andou brincando com ela. Foi a primeira vez que comeu uma feijoada completa, e adorou.

Ela entendeu que o irmão brincava de assustá-la, e que por muito tempo funcionou. É um mecanismo parecido a esse que formou seu preconceito. Para lhe afastar, alguém com medo e raiva do que era diferente dele, se esforçou para lhe assustar. Queria que você se afastasse daquilo que tanto o assustava, sem nem ao menos lhe dar a chance de conhecer e tirar suas próprias conclusões.

E como usam o Diabo para esse papel de criador de preconceitos. Frases do tipo, aquela religião é do Diabo; se veste assim porque tem parte com o Diabo; namora alguém do mesmo sexo, com certeza está possuído pelo Diabo; e seguem nessa triste trilha de criar preconceitos, separações, ignorância e desinformação, são, infelizmente, ainda muito ouvidas. E o Diabo nem tem nada a ver com isso.

Sim, estou pegando leve nos exemplos. Não preciso falar dos preconceitos horrorosos que sabemos que existem no dia a dia de muitas pessoas. Se foi para lhe assustar, brincar com você, ou lhe educar que sua mãe disse “não brinca lá fora, um velho pode passar e te colocar no saco”, tanto faz. Se você acredita até hoje que idosos devem ser temidos, você tem sim preconceito.

Se qualquer escolha que você fez, de time, religião, atividade física, profissão, lhe fez acreditar que a sua é a única escolha certa, você tem sim preconceito.

Se você critica quem come coisas diferentes das que você come, quem se veste diferente de você, quem tem uma cultura que não é a sua, sim, você é preconceituoso.

Se você discrimina, incentiva separações do tipo “ou do meu jeito, ou não tem conversa”, aplaude atitudes preconceituosas, você está doente, sofrendo de preconceito e ignorância. Tem cura. A informação pode lhe salvar.

Mas não adianta só dar uma lida num texto e pedir desculpas. Você precisa pensar a respeito e modificar suas atitudes. Só mudando você deixa de ser preconceituoso.

Preconceito é só isso, um conceito concluído antes de conhecer todos as possibilidades. Preconceitos começam sempre pela ignorância daquele que não tem conhecimento suficiente. Preconceitos generalizam, colocam num mesmo rótulo, um grupo enorme de pessoas a partir de um único exemplo. É uma forma de criticar os outros, no automático, sem conhecimento prévio.

Preconceito é uma crítica a maneira de ser e agir de outras pessoas, por pura ignorância. Por medo do que não conhecem, preconceituosos colocam defeitos, menosprezam, afastam e perdem a oportunidade de aprender com esse novo universo que se abre a sua frente. Fuja disso.

Preconceito é só a sua ignorância lhe fazendo agir no automático. Mude essa história.

(desconheço a autoria da ilustração)

domingo, 5 de fevereiro de 2017

Do Lado de Cá

Érima de Andrade

Ok, vou assumir, as músicas estão mesmo chamando minha atenção.
Se você não me conhece vou lhe contar que não sou uma pessoa que se liga em música. Passo dias sem ouvir nenhuma e não sinto falta. Mas, das mais diversas formas, as músicas estão chamando a minha atenção nesse início de ano.

Você sabe, o Facebook tem essas gracinhas de nos lembrar posts de anos atrás. E foi numa lembrança dessas que essa música apareceu, “Do lado de cá”, e me inspirou.

Vamos falar sobre o lado de cá.
Do lado de cá estou considerando que é do seu lado, do seu lado de dentro, onde você tem espaço para ser feliz. Do lado de cá está o seu paraíso particular de felicidade, tranquilidade, amores. Dentro de você estão as lembranças dos momentos felizes, estão suas vitórias, estão seus sonhos. É o lugar ideal para estar quando, do lado de lá, a vida não está andando muito bem. Para os dias sem cor, para dias sem sol, vem para o lado de cá e se realimente na certeza de que tudo passa, até as suas dificuldades.

Vez em quando atendo no consultório pessoas absolutamente estressadas. Uma grande parcela dessas pessoas é composta de bonzinhos e boazinhas.
São pessoas que dizem sim para tudo e todo mundo. E, não se dão conta, que tanto sim para fora é, muitas vezes, muito não para dentro. Tanto sim para o lado de lá, é muito não para o lado de cá. E se não dão conta dos tantos sim que deram, se estressam e se culpam por não conseguirem fazer seja lá o que foi pedido.

Ao dizer sim indiscriminadamente para todos, você está dizendo não para você.
Sim, é uma escolha, e nesse caso você está escolhendo o não para você. Não para suas prioridades, para seu tempo, para suas preferências. Você tem que ser prioridade na sua vida. Se não for na sua, não será prioridade em vida nenhuma. É esse o seu desejo, nunca ser prioridade?

Pessoas boazinhas tem em comum o medo de desagradar. E
se desagradam para agradar os outros. E se estressam. É uma carga pesada demais.

O não é um limite. O não informa: até aqui você pode, daqui para frente não pode mais. Dizendo não para fora, para coisas que impedem as suas escolhas, você está dizendo sim para dentro, sim para você.
Claro que isso não significa parar de ajudar, apenas você se vai limitar ao que é possível fazer em vez de querer abraçar o mundo, ou dar um passo maior que a perna, receita certa para um tombo.

Impor limites é um atestado de individualidade.
É deixar claro que seus sentimentos e suas necessidades são mais importantes na sua vida do que os outros. Impor limites é não extrapolar a sua resistência, seu tempo, sua saúde, seus sentimentos, suas habilidades, potências e necessidades.

Estar sempre à disposição dos outros, deixando-se explorar e concordando com tudo, não é generosidade, é falta de limites.
Sabe os procedimentos de emergência que você aprende nas viagens de avião, primeiro você e depois ajuda quem estiver do lado? Pois é, valem para tudo na vida.

Primeiro cuida de você, pois você só dá o que possui.
Para ser bonzinho, honesto e verdadeiro com o outro, você precisa ter a bondade em você, precisa ser verdadeiro com você, precisa se tratar bem, se priorizar, se respeitar, em relação a tempo, preferências, escolhas, prioridades e compromissos.

E claro também, que
dar limites, que dizer não, não significa ser grosseiro. Não é para puxar uma briga, é apenas explicar que você não dá conta de tudo, e que precisa focar no que depende só de você. E no tempo restante, pode dar uma força a quem lhe pede ajuda.

Pode seguir sendo uma pessoa boazinha, mas sendo primeiro boazinha com você. Você vai trazer a bondade para o lado de cá em primeiro lugar, para você, para dentro de você.
E uma vez alimentada a bondade em você, ela expande, transborda e você será boazinha com o outro sem esforço, sem sofrimento, sem estresse.

Como foi uma música que me inspirou, que tal cantar com o Chimarruts pensando o lado de cá sendo seu coração? Aqui tem alegria, aqui tem música, aqui dá para ser feliz, diz a letra. Vamos cantar por você, por quem você é, e por quem você quer se tornar. Vamos cantando para o seu lado de cá.




“Se a vida às vezes dá uns dias de segundos cinzas
E o tempo tic-taca devagar
Põe o teu melhor vestido
Brilha teu sorriso
Vem pra cá

Vem pra cá

Se a vida muitas vezes só chuvisca, só garoa
E tudo não parece funcionar
Deixa esse problema à toa
Pra ficar na boa
Vem pra cá


Do lado de cá
A vista é bonita
A maré é boa de provar
Do lado de cá
Eu vivo tranquila
E o meu corpo dança sem parar
Do lado de cá
Tem música, amigos
E alguém para amar

Do lado de cá
Do lado de cá

Se a vida às vezes dá uns dias de segundos cinzas
E o tempo tic-taca devagar
Põe o teu melhor vestido
Brilha teu sorriso
Vem pra cá
Vem pra cá

Se a vida muitas vezes só chuvisca, só garoa
E tudo não parece funcionar
Deixa esse problema à toa
Pra ficar na boa
Vem pra cá

Do lado de cá
A vista é bonita
A maré é boa de provar
Do lado de cá
Eu vivo tranquila

E o meu corpo dança sem parar
Do lado de cá
Tem música, amigos
E alguém pra amar
Do lado de cá

A vida é agora
Vê se não demora
Pra recomeçar

É só ter vontade
De felicidade
Pra pular

Do lado de cá
A vista é bonita
A maré é boa de provar
Do lado de cá
Eu vivo tranquila
E o meu corpo dança sem parar

Do lado de cá
Tem música, amigos
E alguém pra amar
Do lado de cá
Do lado de cá
Do lado de cá"