Érima de Andrade
Pertencer,
no dicionário, tem vários significados, mas me interessa, para esse
texto, o que leva a palavra pertencimento: “Pertencimento, ou o
sentimento de pertencimento é a crença subjetiva numa origem comum
que une distintos indivíduos. Os indivíduos pensam em si mesmos
como membros de uma coletividade na qual símbolos expressam valores,
medos e aspirações. Esse sentimento pode fazer destacar
características culturais e raciais.
A
sensação de pertencimento significa que precisamos nos sentir como
pertencentes a tal lugar e ao mesmo tempo sentir que esse tal lugar
nos pertence, e que assim acreditamos que podemos interferir e, mais
do que tudo, que vale a pena interferir na rotina e nos rumos desse
tal lugar.”
As
recentes manifestações nas ruas do Brasil, mostraram o quanto fazer
parte pode fazer a diferença. Foi por se sentir pertencendo que as
pessoas foram para as ruas interferir na rotina e nos rumos do país.
“Na
medida em que o grupo se sente ator da ação em curso, o que for
sendo construído de forma participativa desenvolverá a
co-responsabilidade, pertencendo os resultados a todos desse grupo,
pois conterá um pouco de cada um.” Ana Lúcia Amaral
Mas
quero falar dos amigos, onde pertencimento significa que as pessoas
pensam em si mesmos como membros de um grupo, com símbolos, valores,
histórias e aspirações em comum. O
ser
humano, precisa se sentir ‘em casa’, ou seja, pertencendo a algo,
ser reconhecido e reconhecer, ser identificado e identificar seus
pares, e ter certa relação de ser parte de um todo maior, que o
acolhe e o protege, como nas amizades.
Esse
sentimento de pertencimento surge enquanto o grupo desenvolve sua
relação que pode ser a partir de uma atividade, como por exemplo o
grupo da meditação, o da academia, o do teatro. O grupo pode ser
formado por familiares. O grupo pode ser formado por colegas de
trabalho ou por tantas outras formas de participar, onde você se
reconhece e se identifica.
O
que caracteriza cada grupo é a maneira como ele foi construído,
como se relaciona com as diferenças entre os membros, como recebe
novos participantes, e como é visto por cada um nas suas próprias
relações sociais.
De
qualquer maneira, quando a característica desse grupo é sentida
subjetivamente como comum, surge o sentimento de pertinência, de
pertencimento.
Construir
relações de amizade que levem ao sentimento de pertencimento não
tem preço. Se sentir pertencendo pode acontecer
tanto num convívio temporário, quanto num permanente. E mesmo assim
aquele grupo, aquele espaço, aquela lembrança, será sempre uma
referência, será sempre um lugar para voltar e se sentir acolhido.
E amigos assim, continuam amigos mesmo que deixem de conviver.
Mas
para pertencer a um grupo é preciso participar. É preciso deixar a
crença de ser diferente dos outros, de ser incapaz de se relacionar,
de não fazer parte de grupo nenhum.
Vem
da infância a crença que faz a pessoa desenvolver essa sensação
tão horrível de não pertencimento. É a crença, ou o fato, de que na sua família foi diferente, de ter uma família que de alguma forma
foi muito diferente das demais por questões sociais, ou financeiras,
ou pela raça, ou pela origem, ou por problemas em casa, ou por
alguma característica específica, qualquer coisa, que faça essa
família se destacar e ser diferente, gera a crença de não pertencer.
Com essa consciência é possível agir contra essa crença e se responsabilizar pelas consequências. Pertencer
também é uma escolha. Clarice
Linspector escolheu não pertencer, e nesse texto ela descreve muito bem a necessidade e a
dificuldade de pertencimento:
“Um
amigo meu, médico, assegurou-me que desde o berço a criança sente
o ambiente, a criança quer: nela o ser humano, no berço mesmo, já
começou.
Tenho certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada e a ninguém. Nasci de graça.
Se
no berço experimentei esta fome humana, ela continua a me acompanhar
pela vida afora, como se fosse um destino. A ponto de meu coração
se contrair de inveja e desejo quando vejo uma freira: ela pertence a
Deus.
Exatamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a algo ou a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou, sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais do que isso.
Com
o tempo, sobretudo os últimos anos, perdi o jeito de ser gente. Não
sei mais como se é. E uma espécie toda nova de "solidão de
não pertencer" começou a me invadir como heras num muro.
Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, por que então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é por exemplo que tudo o que me viesse de bom de dentro de mim eu pudesse dar àquilo que eu pertenço.
Mesmo
minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria
solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente
todo embrulhado em papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter
a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações
patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de
tragédia, raramente embrulho com papel de presente os meus
sentimentos.
Pertencer
não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a algo ou a alguém
mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de
minha própria força - eu quero pertencer para que minha força não
seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
Quase consigo me visualizar no berço, quase consigo reproduzir em mim a vaga e no entanto premente sensação de precisar pertencer. Por motivos que nem minha mãe nem meu pai podiam controlar, eu nasci e fiquei apenas: nascida.
No entanto fui preparada para ser dada à luz de um modo tão bonito. Minha mãe já estava doente, e, por uma superstição bastante espalhada, acreditava-se que ter um filho curava uma mulher de uma doença. Então fui deliberadamente criada: com amor e esperança. Só que não curei minha mãe. E sinto até hoje essa carga de culpa: fizeram-me para uma missão determinada e eu falhei. Como se contassem comigo nas trincheiras de uma guerra e eu tivesse desertado. Sei que meus pais me perdoaram por eu ter nascido em vão e tê-los traído na grande esperança.
Mas eu, eu não me perdoo. Quereria que simplesmente se tivesse feito um milagre: eu nascer e curar minha mãe. Então, sim: eu teria pertencido a meu pai e a minha mãe. Eu nem podia confiar a alguém essa espécie de solidão de não pertencer porque, como desertor, eu tinha o segredo da fuga que por vergonha não podia ser conhecido.
A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que eu perco não pertencendo. E então eu soube: pertencer é viver. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho!”
Que
dores impedem você de pertencer?
O
que você tem feito para estar num grupo?
Lembre
que o sentimento de pertencimento tem a ver com a noção de
participação, e responda, como você participa?
Que
você encontre o seu lugar de pertinência.
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