domingo, 13 de novembro de 2011

A fiandeira

Érima de Andrade

Quando li as 50 lições da Regina Brett, a lição 13 - “Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem idéia de como a sua jornada tem tudo a ver”-, me fez lembrar da “Fátima, a Fiandeira.”

“A Fiandeira Fátima e a Tenda” é uma história do folclore grego. Como toda história folclórica, foi transmitida através das gerações pela tradição oral. Nem todas as histórias da tradição oral foram registradas, e no caso de Fátima, que foi registrada, é pouco provável que se consiga estabelecer a sua autoria. Aqui, apresento a versão sufi dessa história, atribuída ao xeque Mohamed Jamaludin, que faleceu em 1750, recolhida por Idries Shah em Contos dos Dervixes:

"Uma vez, numa cidade do mais distante Ocidente,
vivia uma jovem chamada Fátima.
Era filha de um próspero fiandeiro.
Um dia seu pai lhe disse:
- Vamos, filha. Partiremos em viagem,
pois tenho negócios a fazer
nas ilhas do mar Mediterrâneo.
Talvez você encontre ali um jovem atraente,
de boa posição, que poderás tomar por esposo.

Puseram-se a caminho, e viajaram de ilha em ilha,
o pai realizando seus negócios,
enquanto Fátima sonhava com o marido
que logo haveria de encontrar.
Mas, um dia, quando estavam a caminho de Creta,
formou-se violenta tempestade, e o barco naufragou.
Tendo perdido os sentidos, Fátima acabou indo parar numa praia,
bem perto de Alexandria.
O pai tinha falecido, e ela ficara totalmente desamparada.
Só conseguia ter uma vaga lembrança
da vida que tivera até então,
pois a horrível experiência do naufrágio,
e o fato de haver ficado exposta às inclemências do mar,
a havia deixado exausta.

Enquanto vagava pela areia,
foi encontrada por uma família de tecelões.
Embora fossem muito pobres, levaram-na consigo
para sua humilde casa, e lhe ensinaram seu ofício.
Assim, Fátima começou uma nova vida,
 e, em um ou dois anos, voltou a ser feliz,
tendo-se conformado com sua sorte.
Mas, um dia, quando estava na praia,
um bando de traficantes de escravos desembarcou
e a carregou, junto com outros cativos.

Embora lamentasse amargamente sua sorte,
ela não encontrou compaixão alguma nos algozes,
que a levaram para Istambul,
onde acabou sendo vendida como escrava.

Pela segunda vez todo o seu mundo tinha desabado.
Pois bem, acontece que, no mercado,
eram poucos compradores. E um deles
era um homem que procurava escravos
para trabalhar em sua serraria,
onde fabricava mastros para barcos.
Quando viu o abatimento que tomava conta da infeliz Fátima,
o homem decidiu comprá-la, achando que, dessa forma,
poderia, quando menos, oferecer-lhe uma vida um pouco melhor
do que poderia proporcionar-lhe outro comprador qualquer.

Levou Fátima para seu lar,
com a intenção de transformá-la
em dama de companhia para a mulher.
Mas, quando chegou à sua casa,
descobriu ter perdido muito dinheiro,
pois sua carga fora capturada por piratas.
Não tinha como cobrir os gastos com os empregados,
e,assim, ficou só, com Fátima e sua mulher,
para continuar realizando a pesada tarefa
de fabricar mastros para navios.

Fátima, cheia de agradecimento a seu amo
por havê-la resgatado dos traficantes de escravos,
trabalhou com tanto afinco e tão bem
que acabou ganhando sua liberdade,
chegando a transformar-se em sua ajudante de confiança.
Foi assim que voltou a ser relativamente feliz,
em sua terceira profissão.

Um dia, o patrão lhe disse:
- Fátima, quero que viajes para Java
como meu agente, levando uma carga de mastros
para que os vendas com bom lucro.

Ela partiu em seguida, mas
quando o barco se aproximou da costa da China,
um tufão o fez naufragar, e, uma vez mais,
Fátima viu-se lançada à praia de um país desconhecido.
Outra vez chorou com amargura,
porque sentia que, em sua vida, nada ocorria
de acordo com aquilo que esperava.
Sempre que as coisas começavam a melhorar,
algo acontecia, que destruía todas as suas esperanças.
- Por que será – chorou pela terceira vez – que,
toda vez que tento fazer alguma coisa, não consigo?
Por que será que me acontecem tantas desgraças?
Mas não houve resposta.
Assim, ela levantou-se da areia
e caminhou terra adentro.

Ocorre que ninguém na China tinha ouvido
falar de Fátima, nem sabia de seus problemas.
Mas ali corria uma lenda de que, um dia,
chegaria ao lugar certa mulher estrangeira,
capaz de fazer uma tenda para o imperador.
Como não havia, naquela época, pessoa alguma na China
que fosse capaz de construir tendas,
todos confiavam no fiel cumprimento
da previsão contada na lenda,
com a maior expectativa.

Para se assegurar de que a estrangeira
não passasse despercebida, ao chegar ao país,
os sucessivos imperadores tinham o costume,
de mandar mensageiros, uma vez por ano,
a todas as cidades e aldeias do país,
pedindo que toda mulher estrangeira encontrada
fosse imediatamente levada à corte.

E foi numa dessas ocasiões
que a pobre Fátima, esgotada,
chegou a uma cidade costeira da China.
As pessoas do lugar falaram com ela
por intermédio de um intérprete,
explicando que tinha de ir ver o imperador.
Quando foi levada a ele, o imperador lhe perguntou:
- Senhora, sabeis fabricar uma tenda?
- Acredito que sim - respondeu Fátima.
Pediu que lhe trouxessem cordas, mas não havia cordas ali.
Então, recordando seus tempos de fiandeira,
recolheu fibras de linho e com elas fez cordas.
Depois, pediu que trouxesse pano forte,
mas os chineses não tinham a lona de que ela precisava.
Valendo-se de sua experiência com os tecelões de Alexandria,
fabricou então uma lona resistente para fazer a tenda.
Aí percebeu que precisava de mastros de madeira,
mas não existia tal coisa na China.
Lembrando dos ensinamentos recebidos
do fabricante de mastros de Istambul,
consegui trabalhar a madeira e produzir
excelentes mastros para apoiar a tenda.
Quando estava com tudo pronto,
procurou lembrar-se de todas as viagens que fizera
e das inúmeras tendas que já vira.
E assim foi feita a primeira tenda da China.
Quando a maravilhosa obra foi mostrada ao imperador,
ele ofereceu, como recompensa, o cumprimento
de qualquer desejo que Fátima expressasse.
Ela decidiu estabelecer-se na China,
onde se casou com um lindo príncipe,
e onde, rodeada pelos filhos,
viveu na mais completa felicidade,
até o fim de seus dias.

Ao passar por tantas aventuras,
Fátima acabou por entender
que as coisas que, a princípio,
pareciam representar experiências desagradáveis,
na verdade se transformaram nos elementos essenciais
de sua felicidade final."


“Não compare sua vida com a dos outros. Você não tem idéia de como a sua jornada tem tudo a ver.” Regina Brett

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