quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Editando as lembranças

Érima de Andrade

As emoções determinam suas lembranças. Cada situação que gerou uma lembrança é uma história vivida por você. E ela será alterada sempre que a contar.

Independente de como você viveu a situação, das emoções que experimentou, você vai editar a história ao longo do tempo.

Uma história é composta por vários elementos, o lugar, os personagens, o tema, o enredo e o final.  Em cada história, um fato aconteceu primeiro, que gerou outros fatos e que levou a um determinado final. E mesmo preservando todos esses componentes na memória, durante a recordação, sua história será editada.

Sua experiência de vida vai transformar essa lembrança. A situação que você estiver vivendo no momento de contar a história, também vai influenciar. Para cada ouvinte você vai dar uma ênfase diferente dos momentos vividos nesse dia. E todas essas versões serão absolutamente verdadeiras.

Verdadeiras e diferentes das versões, também verdadeiras, das outras pessoas que estavam na situação. “Aconteceu sim, mas não do jeito que você está contando”... Será que não?

Por exemplo, nessa situação, um jantar surpresa.

Chega em casa depois de um dia exaustivo de trabalho, sente cheiro de comida. Estranha... Afinal não cozinham em casa... Louça, copos e talheres empilhados na mesa da sala. Na cozinha, comida pronta, cheirosa e uma bagunça semelhante à passagem de um furacão depois do incêndio. 

Como essa cena será lembrada?

Num momento amoroso, a cena talvez seja contada assim: Num dia de folga resolveu preparar um jantar surpresa. Surpresa mesmo, por que nunca cozinhou na vida. Nenhuma noção do tempo que levaria preparando tudo. Quando eu cheguei, a mesa não estava posta, a cozinha ainda estava um caos, mas o jantar estava pronto. Foi uma delícia.

Mas se for um momento estressado... Não tinha nada para fazer, estava de folga. Fez o quê? Inventou uma maneira de bagunçar a casa e me irritar. Nunca cozinhou na vida, fez tudo em cima da hora. Cheguei e a comida estava pronta, mas a cozinha estava imunda e a sala desarrumada. Se não podia ajudar, podia ao menos não ter atrapalhado.

Se aconteceu uma separação rancorosa entre essas pessoas, talvez a cena seja lembrada assim, cheia de detalhes: Um jantar surpresa... dá para imaginar uma idéia mais estúpida de alguém que nunca cozinhou na vida?

Sujou a cozinha toda, a comida respingou da panela, queimou o fogão, sobrou uma montanha de lixo. Usou tanta cebola que a casa ficou dias fedendo. A roupa que já estava quase seca no varal precisou ser lavada de novo. Aquele cheiro não dava... Nem a faxineira deu conta de arrumar tudo em um dia.

Leu na receita sal a gosto e resolveu que era uma colher cheia. O cheiro uma delícia. Mas ninguém se alimenta de cheiro. O sabor? Salgado. Um dinheirão jogado fora, uma comida que não dava para comer. Nunca bebi tanta água numa refeição. Levantei a noite inteira para fazer xixi.

Mas se deixar que a tragédia depois de um tempo vire comédia, provavelmente essa história vai ser contada entre gargalhadas: E aquele jantar?... Foi marcante. Mas no dia... Quando olhei a cozinha tive vontade de fugir.

Que coisa... Eu querendo chegar em casa, descansar, dou de cara com um amontoado de coisas na sala. Achei que tinha acontecido algum acidente com o armário... Você estava de folga, sei lá... resolveu pintar tudo... pensei um monte de coisas...

Mas aí, senti o cheirinho... Cheguei a me emocionar. Até que vi a cozinha, um caos! O que era aquilo!?!? Você experimentou todas as travessas da casa para ver em qual delas o prato ficaria mais bonito. E deixou tudo sujo. Não tinha espaço livre em cima de nada.

Tinha papel e mais papel colado na geladeira com o “cardápio” que você pesquisou na internet. O lixo parecia uma montanha. Não sei como ainda não tinham ratos e baratas andando por ali... Era o que faltava naquele cenário.

Uma comida salgada, mas a gente insistiu em comer. Terminamos o dia organizando a cozinha para garantir, ao menos, um lugar limpo e livre, para o café da manhã.

Com todo seu empenho, ainda assim, foi a noite menos romântica da minha vida. Mas foi muito engraçado.

Como são as suas lembranças? Independente de como as viveu, você pode escolher que lembrança alimentar, aquela que você vai repetir mais vezes. Qual a versão da história que você normalmente escolhe preservar?

“Leve na sua memória, para o resto da vida, as coisas boas que surgiram nas dificuldades. Elas serão uma prova de sua capacidade, e lhe darão confiança diante de qualquer obstáculo.” Chico Xavier


Um comentário:

  1. Dias depois desse post ser publicado, por uma dessas coincidências da vida, vejo esse comercial na TV. Quase a minha história em movimento. Boa diversão!

    http://www.youtube.com/watch?v=q2zrYn_-VhM&context=C382a5fbADOEgsToPDskIpDnh9MyqX2BCFZ3Yaieqz

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