domingo, 26 de junho de 2016

Depois da Dor

Érima de Andrade

Essa semana soube de um trauma ocorrido na adolescência de uma amiga muito querida. Ela tinha em torno de 17 anos e era completamente apaixonada pelo namorado.
Tinha certeza de que era o homem da sua vida e que iriam casar e formar uma linda família com quatro filhos. Num assalto violento, ele levou um tiro e morreu na frente dela. Se em qualquer fase da vida isso é um acontecimento traumático, aos 17 anos, e cheia de fantasias, foi de tirar o chão.

Me contou que teve dois dias para chorar.
Conta, agradecida, que seus pais permitiram que ela passasse dois dias chorando no quarto. Mais que isso, ligaram para a melhor amiga e pediram que fosse até lá fazer um pouco de companhia para ela.

Segunda-feira ela voltou a rotina, trabalho e aulas.

Tem como voltar a rotina diante de um fato sem volta? Sim, dizem os especialistas.
Apesar da reação de choque, que deixa a pessoa ansiosa, angustiada, carregando essa apreensão dentro de si, é possível voltar a rotina.

Com minha amiga foi assim, voltou na medida do possível, assumindo sua tristeza e seguindo em frente. Me disse, Deus é tão bom, que a vida só vai em frente. Eu sabia que ia melhorar. E como na vida é possível se apaixonar de novo, encontrei meu companheiro de vida, e temos nossos quatro filhos. Com o tempo, realizei todos os meus sonhos. ”

O que chama minha atenção no relato dela é a gratidão, esse sentimento tão profundo que antecede o amor; a certeza, de que, na vida, nada dá errado, que tudo que acontece, acontece para o nosso bem e que o melhor sempre se manifesta; e o agir com positividade, isto é, olhando o que acontece no momento e agindo de acordo.

Positividade, vale a pena lembrar que não é, de maneira alguma, olhar a vida por um óculos cor de rosa. É olhar o que lhe acontece no momento e agir de acordo. Houve a perda e ela chorou, chorou muito, porque perder é mesmo doloroso e triste. E mesmo triste, estava agindo com positividade.

Ser positivo é fazer o seu melhor com o que está lhe acontecendo no momento. É não deixar a impotência tomar conta, é estar pronto para recomeçar depois do choro, é seguir em frente.

Não é por que você é positivo que não precisa de apoio. Precisa e merece. E por isso ela é grata. Seus pais a apoiaram na medida do possível. É difícil para quem está próximo ver o sofrimento. Por isso, as pessoas que convivem com quem passou por um grande trauma, têm ansiedade pela volta por cima. Por afeto, cobram melhoras, reações, sinais de recuperação. Por amor, fazem de tudo para que a vida continue.

Bloquear, inibir ou adiar o que você está sentindo não vai ajudar. Também não vai adiantar pedirem que se recupere rápido. E tudo bem sentir o que você está sentindo. O importante é não fingir, negar ou disfarçar o assunto.

Assumir a dor, a tristeza, respeitar o tempo é fundamental. A lição a ser aprendida é respeitar o tempo. As pesquisas mostram que a maior parte das pessoas acaba tendo uma resolução espontânea dessa reação de estresse pós trauma, depois de mais ou menos um mês. Mas isso não é uma regra.

Superar leva tempo e cada um tem o seu período para digerir sua perda. A perda é uma experiência altamente dolorosa e realmente abala qualquer estrutura. É natural sofrer por um tempo, ter dificuldade para encarar a realidade, sentir vontade de ficar isolado, sentir que a vida temporariamente perdeu a graça. Isso faz parte do processo.

A dor é particular e por vezes pode ser vivenciada em silêncio, com a rotina de vida mantida, como trabalho, estudo, amigos, passeios. E isso não significa que a pessoa não esteja carregando e elaborando o sofrimento desta perda.

Existe o tempo do relógio e o tempo interno. O relógio marca horas, dias, semanas. O tempo interno anda conforme suas sensações e seus sentimentos. É totalmente pessoal. Sem dúvida, o tempo do relógio ajuda a entrar novamente na realidade. Mas o tempo de superar o trauma é particular.

Pessoas diferentes, vivem seus sentimentos de forma diferente, elaboram suas perdas em tempos diferentes e de forma muito pessoal. Nos cabe respeitar.

Pessoas resilientes se recuperam com ou sem ajuda. As mais frágeis precisam de acompanhamento. E tudo bem, depende mesmo de cada caso e de cada pessoa.

Resiliência é a reação positiva, a capacidade de superar as adversidades e ser forte durante as crises; a capacidade de se recuperar, de aprender e de ser transformado pelas experiências dolorosas; a capacidade de se desenvolver bem e de se projetar no futuro, com uma visão realista e otimista.

Mesmo sendo resiliente, você não precisa passar por isso sozinho. É bom demais sentir que não está sozinho, ser ouvido e acolhido. Permita a aproximação.

Não há regras nem fórmulas para conquistar a felicidade, mas entender que os altos e baixos também fazem parte de uma vida feliz é um importante primeiro passo.

Encontrar sentido no que você faz também ajuda, pois se sentir útil é a forma mais rápida de transformar o sofrimento em alegria. Você se sente ocupando seu lugar no mundo. E somente quando encontra seu lugar no mundo, você pode sentir alegria ao levantar pela manhã.

Sim, nem sempre tudo dá certo. Nem sempre as coisas acontecem da maneira que a gente espera. A vida é imprevisível, e acontece, muitas vezes, que estruturas aparentemente seguras sejam repentinamente demolidas. E nada mais depende de você.

As mudanças vão acontecendo sem a sua permissão. O mundo vai modificando e você, de repente, se vê numa situação que não imaginava, não contava, não queria. Mas você pode seguir em frente e ser grato.

A gratidão traz a compreensão significativa de que, na vida, nada dá errado. Tudo que nos acontece é para o nosso bem. O mal é aparente. Com gratidão é possível compreender o que está por trás do mal, qual a lição que você precisa aprender.

Não há hábitos ou regras para nos fazer felizes, não existe fórmula para alcançar a paz interior, mas viver a vida com confiança de que tudo está certo, enfrentando de frente o problema, nos torna capazes de perceber pequenas alegrias no meio do caos. Pequenas soluções, caminhos, saídas, e tudo enfim que você precisa para que as coisas comecem a entrar nos eixos.

Sim, coisas ruins às vezes nos acontece. E sim, nós podemos lidar com isso.

4 comentários:

  1. Éreste seu texto lembrou-me muito sua avó Yolanda. pois ela tropeçava e fazia de tudo para não cair, e sempre dava a mão aos que estavam por perto. Que nós, seus herdeiros possamos estar atenta nestes exemplos que nos deu, nos momentos menos fáceis nesta nossa passagem por aquí. um beijo

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