domingo, 30 de abril de 2017

Assim não serve

Érima de Andrade

"Assim não serve" é o mantra mais comum na vida das pessoas que escolhem ter razão em vez de ser feliz.
Embora desejem a felicidade, na prática, entre ser feliz e ter razão, escolhem ter razão.

E ter razão aqui significa que: as coisas têm que acontecer da maneira que eu planejei. Provavelmente porque eu tenho certeza que esse é o melhor caminho. Inclusive tenho certeza que a minha opinião é o ponto final em qualquer conversa.

Pois é, tem muita gente assim.

Amo as piadinhas que as crianças contam. Uma delas serve para ilustrar o caminho que desejo no post de hoje.

Contam que houve uma enchente numa cidade pequena, e que o padre para sobreviver, subiu numa árvore. Como era uma pessoa de muita fé, rezou pedindo ajuda a Deus, e teve certeza que seria atendido.

Um grupo de moradores vendo o padre ali em cima, e a impossibilidade dele atravessar a correnteza que se formou, ofereceu uma corda para ajudá-lo a atravessar. O padre agradeceu e recusou, disse que Deus o salvaria.

Um bombeiro voluntário passou com um barquinho a motor e ofereceu carona ao padre, que, de novo, agradeceu e recusou. Deus o salvaria.

Um helicóptero jogou uma escada que o padre não quis pegar. De novo, agradeceu, recusou e informou que Deus o salvaria.


A noite chegou, o rio não baixou, o padre dormiu, se desequilibrou, caiu, morreu afogado. Chegou no céu reclamando com Deus: Trabalhei tanto em Seu nome, por que não me salvou?
- Filho, por três vezes mandei ajuda. Recusaste.

Então... escolheu ter razão. Escolheu esperar ser salvo da maneira que planejou. Quantas vezes fazemos o mesmo? Quantas vezes recusamos algo bom na vida apenas por não estar de acordo com a nossa fantasia?

Na terapia ocupacional temos o cuidado de observar bem como o paciente reage ao tratamento, e vamos mudando os caminhos de acordo com essa reação. Os objetivos do tratamento continuam os mesmos, mas as atividades planejadas para chegar lá, podem mudar muitas vezes. E isso é bom.

Quando dou palestras sempre cito o exemplo de um paciente que tive quando ainda fazia estágio. Ele tinha uma lesão alta na coluna, paralisado do pescoço para baixo, mas com alguma mobilidade no braço esquerdo. Era destro. Um empresário e fazendeiro com muitos negócios.

Chegou com uma acompanhante que explicou que ele precisava aprender logo a assinar com a mão esquerda, pois os negócios dele estavam parados. Para você que não viveu sem internet, e só conhece as facilidades de acesso com cartões, computadores e digitais, informo que, na época, era um pedido bastante razoável e coerente, pois para tudo, desde pagar conta a descontar dinheiro, ele precisava assinar.

Quando fiquei sozinha com o paciente, perguntei o que ele queria aprender primeiro? “Quero aprender a coçar o nariz. É muito constrangedor ter que pedir a alguém que coce meu nariz.” Pedido feito, pedido aceito.

No fim da sessão, a acompanhante ficou contrariada quando soube que nem chegamos perto da caneta. Mas precisou engolir a contrariedade quando percebeu o quanto ele estava feliz com o progresso que obteve.

Para quem tinha certeza que sabia o que era melhor, ela foi bastante flexível, é bom que se diga. E é esse mesmo o caminho, flexibilidade.

Fazer planos, criar metas, ter objetivos é maravilhoso. Mas é preciso sempre se manter flexível, pois mudanças podem acontecer.

É um desafio, eu sei, se manter flexível com imprevistos que aparecem. Não saiu como o planejado? Tudo bem, vou me permitir olhar os desdobramentos que se apresentaram. Isso é a flexibilidade atuando, e é a flexibilidade que vai lhe permitir ver mais de um caminho para a sua meta.

Aceitando os imprevistos que acontecem, você tem a possibilidade de um olhar amplo sobre os caminhos que se abriram no momento. Aceitando, você se permite trilhar mundos novos dentro das suas escolhas.

Com flexibilidade e consciência, você pode olhar sua frustração e constatar: “olha eu de novo querendo ser o dono do mundo...” E relaxar no que lhe acontece.

Você sabe perfeitamente onde quer chegar. Mas desenvolva flexibilidade suficiente para adaptar seus planos quando isso for necessário. Mudar a partir do que lhe acontece, significa seguir o fluxo. Nem sempre é fácil, pois seguir o fluxo significa abrir mão do controle de tudo e todos.

Seguir o fluxo significa que estamos agindo sem esforço, com tranquilidade, aceitando suavemente tudo o que nos acontece. Seguir o fluxo confirma a sabedoria, e a percepção, de que não temos controle sobre a vida.

Não seguir o fluxo, ou navegar contracorrente, significa ter uma vida cheia de apreensões, tensões, expectativas e frustrações. Significa não reconhecer que existe um momento certo para cada coisa acontecer, e que isto está além da nossa possibilidade de determinação e controle.

Seguir o fluxo é basicamente não lutar contra a realidade. Fazemos planos, criamos expectativas e metas para tudo na vida. Mas as coisas podem acontecer diferente do que planejávamos. É ruim, eu sei. Mas ficar preso nisso, se lamentando, repetindo “assim não serve”, não vai levar a lugar nenhum.

Respire, fortaleça seus talentos, pacifique seu coração, restaure seu equilíbrio perdido com os imprevistos, e permita os inusitados desdobramentos que se apresentarem na sua vida. Vá tranquilo seguindo o fluxo a caminho da sua meta.

"Encontrar o equilíbrio significa: dê o seu melhor para ajudar a si mesmo, para melhorar a sua vida, para melhorar a vida dos outros, para ajudar a sociedade, para ajudar o mundo. Porém, ao mesmo tempo, não deixe sua mente muito fixada no resultado. Em alguns dias você consegue, em outros dias não." Mingyur Rinpoche

5 comentários:

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