domingo, 9 de agosto de 2015

Tratar ou não tratar?

Érima de Andrade

Um amigo me contou uma historinha do Chico Xavier. Disse que Chico um dia falou:

“Amo a vida. Aceito, mas não favoreço a morte.
Tomo os remédios que os médicos me receitam com disciplina e fé.

De maneira que, quando eu morrer, você pode mandar escrever na minha lápide:
Aqui jaz Chico Xavier, muito a contragosto.”


Sou como Chico, também não favoreço a morte. Mas nem todo mundo é assim.

A primeira vez que ouvi falar de alguém que não quisesse tratamento, foi numa conversa com o Dr Jayme Treiger. Ele me contou que tinha um amigo diabético. A doença já estava avançada e a saúde dele bastante comprometida, mas que ele não queria se tratar. A família então combinou um encontro informal com o Dr Treiger, com a esperança de que ele o ouvisse.

Almoçaram juntos na casa desse amigo. Após o almoço, com a desculpa de caminhar um pouco para fazer a digestão, prática muito comum anos atrás, saíram os dois. Tão logo se afastaram da casa, o amigo disse que sabia que a família estava preocupada com ele. E que sabia que tinham pedido por essa conversa. Dr Treiger confirmou. O amigo então disse, que ele nem precisava gastar o tempo falando sobre esse assunto. Contou que foi avisado pelos médicos que se não mudasse seus hábitos, radicalmente, morreria em pouco tempo. Ciente disso escolheu continuar com seus prazeres. Preferia uma vida curta a uma vida longa com restrições. Teve o seu desejo respeitado.

Entre meus conhecidos também há quem recuse tratamento. Uma delas teve câncer em uma mama. Tratou. Alguns anos depois, o câncer se manifestou na outra mama. Só aceitou fazer a cirurgia para removê-lo. Recusou quimioterapia e radioterapia. É uma escolha. Segue sua vida satisfeita com a decisão que tomou.

Hoje, dia 8 de agosto de 2015, a 1 da manhã, um amigo muito querido fez a passagem. Estudamos juntos no colégio. A vida nos separou, mas graças ao Facebook, nos reencontramos.

Era uma figura. “Conversamos” por mensagens lembrando das nossas brincadeiras e implicâncias nos tempos de escola. Nos comunicávamos com alguma frequência. Quando ficou doente, câncer no pulmão, me procurou para conversarmos. Queria dicas sobre o tratamento, como tinha sido, para mim, passar por quimioterapia e radioterapia. 

Conversamos bastante sobre efeitos, sensações, sentimentos e a importância de confiar no médico. Não foi fácil para ele o tratamento, tinha que viajar a cidade vizinha para receber a medicação. Mas ele foi.

Fim da primeira etapa, nova reavaliação e o câncer quase não havia diminuído. Nova etapa, mais intensa, dessa vez com quimioterapia e radioterapia ao mesmo tempo e ele começou a falar sobre desistir...

Tenho plena convicção que a vida é uma passagem, que estamos aqui para aprender e progredir e assim voltar para casa, para nossa essência, na luz. Mas mesmo assim, não foi fácil para mim pensar que meu amigo, tão querido, podia desistir de lutar.

Dei-lhe um sermão sem precedentes. Como assim? Não ia deixar barato essa história de desistir. Como ficariam nossas mútuas implicâncias? Como ficariam nossas esperanças de nos reencontrarmos? Ele concordou com tudo. 

Passado o choque, rimos um pouco, e começamos a fazer planos para a vinda dele, para o jantar anual da nossa turma de colégio, em novembro.

“Oi.... Comecei hoje a radioterapia.... 35 dias indo e vindo.... são 90 km de minha cidade mas prefiro ir do que ficar em hotel.... bem, enquanto eu aguentar.... obrigado pelo carinho....”

“Oi Érima... Estou na radioterapia, completei 22 e ainda faltam 13. Não tenho reação alguma somente os resquícios da quimioterapia. Há um inconveniente que é a viagem que faço todos os dias de 200 km aproximadamente para o hospital, isso sim, me mata de cansaço. E você como está? Espero que você esteja bem e que já não tenha mais nada com a doença. Qualquer dia entro aqui e deixo noticias ok..... eu sempre vejo tudo pelo telefone, só que não consigo digitar por lá..... aqui no notebook é mais fácil...... beijoo”

Mas não deu tempo de mandar mais notícias... Era sofrimento demais para efeito de menos. Em comum acordo com a oncologista, parou de se tratar. E hoje fez a passagem, descansou.

Como bem descreveu uma amiga, a morte aqui na Terra representa para muitas pessoas à partida de alguém, o desencontro, a separação. Para mim simboliza uma passagem, uma viagem de volta para casa e o reencontro com a nossa verdadeira essência e o nosso verdadeiro estado de existência.

Mas como é difícil lidar com a passagem de alguém que amamos, ou simplesmente que aprendemos a admirar como ser humano...

Hoje não poderia deixar de fazer algum tipo de homenagem a esse amigo que se foi, que foi ser luz em outro lugar, que foi alegrar outras almas, que saiu daqui da Terra para uma nova e melhor etapa.

Vai Nelsinho, meu amigo querido.
Vai com Deus.
Vai em paz.
Vai ser luz.

"A morte não é nada.
Eu somente passei para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.
Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.
A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?
Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho...
Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela
como sempre foi." Santo Agostinho


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