domingo, 26 de fevereiro de 2017

Bons Livros Brasileiros

Érima de Andrade

Se você não curte carnaval, talvez se interesse em usar esses dias para uma leitura. Sem nenhum planejamento especial para isso, me dei conta que, desde o natal,
estou lendo pelo menos um livro por semana.

Provavelmente não vou manter esse ritmo o ano todo. Mas também não vou ficar totalmente longe dos livros. E tenho ajuda para não ficar longe das leituras.

Amigos vivem me sugerindo uma leitura boa, amigos também lançam livros, e claro, eu compro e leio, amigos me dão sugestões para estar sempre próxima de uma leitura bacana.

A sugestão mais recente, foi um site chamado Leia Brasileiros. É um site muito legal, que tem por missão divulgar autores nacionais. O site começa contando que a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2015, descobriu que em média, o brasileiro lê apenas dois livros inteiros por ano.

O Giovanni Arceno, criador e responsável pelo site, imagina que se a pesquisa fosse apenas sobre literatura nacional, esse número seria bem menor, bem mais perto de zero. Por conta disso, ele resolveu compartilhar, por e-mail, um trecho de uma obra nacional todos os dias úteis da semana.

Ele não se prende nem ao gênero da escrita, nem ao ano da publicação. Vai mandando de maneira aleatória trechos de autores mega conhecidos e autores iniciantes. Quem sabe lendo um trechinho a gente se anima e vai atrás de ler o livro inteiro? E numa próxima pesquisa melhoramos esses números?

Se interessou? Para também receber os trechos, basta se inscrever, gratuitamente, no site http://www.leiabrasileiros.com.br/.

Eu estou gostando muito dessa experiência, por isso quis compartilhar aqui no blog. Gosto de divulgar, da maneira que consigo, as ideias bacanas que existem por aí. E essa é sim uma ideia bem bacana.

Eis alguns trechos que recebi, para você ter uma ideia do que chega no email. Tomara que sejam inspiradores para você se inscrever no site, e posteriormente, ler o livro. 

“A bem dizer sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que tenho honra e faço alarde. Herdei do meu avô Simeão terras de muitas medidas, gado do mais gordo, pasto do mais fino. Leio no corrente da vista e até uns latins arranhei em tempos verdes da infância, com uns padres-mestres a dez tostões por mês. Digo, modéstia de lado, que já discuti e joguei no assoalho do Foro mais de um doutor formado. Mas disso não faço glória, pois sou sujeito lavado de vaidade, mimoso no trato, de palavra educada. Já morreu o antigamente em que Ponciano mandava saber nos ermos se havia um caso de lobisomem a sanar ou pronta justiça a ministrar. Só de uma regalia não abri mão nesses anos todos de pasto e vento: a de falar alto, sem freio nos dentes, sem medir consideração, seja em compartimento do governo, seja em sala de desembargador. Trato as partes no macio, em jeito de moça. Se não recebo cortesia de igual porte, abro o peito:
— Seu filho de égua, que pensa que é? “


Pág. 6 de 'O coronel e o lobisomem', de José Cândido de Carvalho (1964)

“Aquilo estava me matando.
Literalmente. É isso que uma corda amarrada no seu pescoço faz.
Principalmente quando se está pendurada e o peso do seu corpo fica apertando o nó… Sabe, tipo enforcamento?
— Vamos, vamos, podem descer ela.
As criaturas — sim, criaturas com metade da inteligência de um cachorro bem estúpido e três vezes a força de um cavalo — olharam para Nani.
— Não me façam repetir. É sério, soltem ela.
O maiorzão do grupo me segurou pelas pernas e eu parei de sufocar. Outro cortou a corda com uma das unhas e o terceiro fez o favor de me colocar no chão
Eu estava quase desmaiando...”


Conto 'Aceita viajar pela empresa?', publicado na Revista Trasgo, de Jéssica Borges (2017)

“Quer dar uma volta?
(gira os pedais para trás para que a correia ressoe a pergunta)
Eu não tenho bicicleta.
Tudo bem. Posso deixar a minha aqui?
Havia colocado aquelas continhas coloridas que ficam girando nas rodas, caindo e subindo como ampulhetas. Atravessamos a sala com esse som, até o jardim. Tomás diz: poxa, é legal aqui. Isso enquanto ele tirava as luvas. As luvas sem dedo de ciclista com as palmas encardidas que você deve usar se quer sentir cada poça como um grande desafio.
Saímos juntos para a rua, para a pracinha. Faz um calor de matar. As outras crianças preferem brincar nas suas casas, até porque na praça há um bocado de sujeira dos caras de jaqueta de couro que aparecem durante a noite e ficam rindo hohoho não hahaha pois são muito machos e suas garrafas de cerveja rolam pelos degraus da praça.”


Conto 'A caixa', do livro 'Pó de Parede', de Carol Bensimon (2010)


“— Já parou pra pensar que dia foi que aconteceu? Tipo, que dia foi que a gravidez aconteceu?
— Não sei ainda de quanto tempo eu tô.
Quando percebemos, já tinha acabado a cerveja e nós estávamos bêbados e tontos, rindo pra caralho e sem motivo. Vitória levantou da cadeira, abriu os braços e começou a andar pisando nas fugas do piso, colocando um pé em frente ao outro, como uma equilibrista na corda bamba. Fiz o mesmo, indo na direção contrária, claramente com mais dificuldade que ela. Durante um tempinho ficamos concentrados em atravessar o percurso sala-cozinha. O álcool fez com que a brincadeira se tornasse um teste sério de equilíbrio. Deu pra ouvir o suspiro aliviado dos dois quando finalmente conseguimos chegar no fim. Daí voltamos ao normal. Sentei na cadeira e Vitória sentou no meu colo, acorrentando os dois braços por trás do meu pescoço. Perguntou o que eu achava de tomarmos banho juntos.”


Pág. 10 de 'Vitória', de Giovanni Arceno (fev/2017)

“Uma noite, há anos, acordei bruscamente e uma estranha pergunta explodiu de minha boca. De que cor eram os olhos de minha mãe? Atordoada custei reconhecer o quarto da nova casa em que estava morando e não conseguia me lembrar de como havia chegado até ali. E a insistente pergunta, martelando, martelando. De que cor eram os olhos de minha mãe? Aquela indagação havia surgido há dias, há meses, posso dizer. Entre um afazer e outro, eu me pegava pensando de que cor seriam os olhos de minha mãe. E o que a princípio tinha sido um mero pensamento interrogativo, naquela noite se transformou em uma dolorosa pergunta carregada de um tom acusatório. Então, eu não sabia de que cor eram os olhos de minha mãe?”

Conto 'Olhos d'água', do livro 'Olhos d'água', de Conceição Evaristo (2014)

“Devia de ouvir pouco, pois a comitiva já quase o alcançara e ele ainda não dera por isso. Ora, pela calada do dia, ali é lugar de muito silêncio. Assim que, o Gorgulho calçava alpercatas, sua roupa era de sarja fusca, formato antigo — casacão comprido demais, com gualdrapas; uma borjaca que de certo tinha sido de dono outro — mas limpa, sem desalinho nenhum; via-se que ele fazia questão de estar composto, sem em ponto algum desleixar-se. E o que empunhava era uma bengala de alecrim, a madeira rôxo-escura, quase preta.
E, nisso, de arranco, ele esbarrou, se desbraçando em gestos e sestros, brandindo seu cacete.
Fazia espantos. Falou, mesmo, voz irada, logo ecfônico: — Eu?! Não! Não comigo! Nenhum filho de nenhum… Não tou somando!”


Conto 'O recado do morro' do livro 'Corpo de baile', de Guimarães Rosa (1956)

“O mato em silêncio. Da varanda, ele contemplava. Árvores imóveis, vegetação estática. Era preciso certa concentração para perceber que ouvia cigarras. A trilha-sonora-paisagem não dizia nada. Olhava para aquele mato atrás da casa e imaginava que vida deveria haver lá, onde estava a vida. Por todos os lados. As árvores silenciosamente respirando. Folhas chorando em sereno. Sementes brotando lentamente, irrompendo da terra, vencendo um sepultamento prematuro. Sepultadas para nascer. E por trás de tudo isso, os insetos. Por trás de cada folha, dentro das cascas, misturados aos galhos, invisíveis, milhões de corpos a pulsar. E répteis, anfíbios, mamíferos, aves dormindo. Pássaros sonhando, pousados, desaparecidos. Se pudesse absorver toda a vida que se escondia à sua frente, explodiria.”

Pág. 33 de 'Biofobia', de Santiago Nazarian (2014)

“De noite, ia até o observatório cumprir o tempo que me faltava para concluir o curso, aquele absurdo que minha família abominava.
— Só o que faltava. Filho meu passar a noite inteira olhando estrela. Vai morrer de fome, e eu vou ter que pagar o enterro!
Meu pai não tinha muita paciência com elas. Pior para o velho. As estrelas iam durar mais que ele. Padecia de um dos males mais comuns da sua turma: ver o filho médico, advogado, engenheiro, um filho cheio de dinheiro. E lá estava eu que não sabia nem para que o dinheiro servia. Nem imaginava que ele trabalha sozinho, que pode fazer milagres sozinho, crescendo, num banco, como os pães e peixes que Jesus multiplicava.”


Pág. 33 de 'Agora é que são elas', de Paulo Leminski (2011)

“Eram exatamente cinco horas da manhã quando Samuel começou a acordar, atormentado, confuso. Ouvia vozes de mulheres, várias, falando ao mesmo tempo. Falando, falando, falando. Parecia reza, briga, conversa, tudo ao mesmo tempo. Talvez fosse pesadelo, pareciam as mulheres do Horto. Sentou-se, assustado, acordado, mas as vozes não paravam. Mais alto, mais forte e, sim, era reza. Parecia a voz das carpideiras amigas de Mariinha, tirando o terço quando morria gente. Samuel saiu correndo daquela gruta maldita sem lembrar que a perna estava ferida com a mordida do cão, que estava fraco, faminto, cansado, e caiu no chão poucos metros depois. Não tinha mulher nenhuma rezando ali, não havia ninguém por perto, nem os cachorros da noite. Do lado de fora, só mato, chuva fina e silêncio, não se ouvia nenhuma voz, nem o sol fazia nenhum barulho para acordar.”

Pág. 22 de 'A cabeça do santo', de Socorro Acioli (2014)

Vou entrar na brincadeira com um trecho de um livro da minha estante.

“E ali permanecem aguardando pacientemente a chegada do veículo...
- Esse Marques não tem jeito não é, Daniel? – Diz Rodrigo.
- Estou pensando seriamente em manda-lo nessa missão, meu amigo.
- Você tem certeza disso, Daniel? Marques nunca participou desse tipo de tarefa na Terra.
- Pois é, Rodrigo, preciso que Marques evolua essa parte; preciso que saiba trabalhar a paciência. E isso só vou conseguir, se eu introduzi-lo nas missões, ou pedindo para ele reencarnar.
- Nisso você tem razão – diz Rodrigo.
- O que eu faço? Mando-o na missão ou peço a ele para reencarnar? O que você faria Rodrigo?
- Perdoe-me Daniel, mas essa escolha é de sua sabedoria – diz Rodrigo, humildemente.
- Pois é, estou esperando uma resposta da nossa Mentora espiritual.
- Você falou com ela? – Pergunta Rodrigo, ansioso.
- Sim – diz Daniel.
- E o que ela lhe respondeu?
- Ela ainda não me respondeu – diz Daniel."


Pág. 55 de ‘A Batalha dos Iluminados’, de Osmar Barbosa (2016)

E, por fim, um livro/agenda, que descobri esse ano. É uma agenda sem data, que ajuda a organizar suas estratégias para as mudanças que deseja para sua vida.

“ O objetivo do “Remos para Rumos” é estimular grandes sonhos, mas ajudar a quebra-los em pequenas tarefas, para que realmente sejam realizados. É também desafiar a si próprio, para sua própria evolução e construção de um caminho seu, de fato. É ajudar as pessoas a organizarem seus pensamentos, realizarem seus sonhos, incorporando no dia-a-dia. Afinal, sonhos são construídos com passinhos de formiga, e precisam de muita dedicação. ”


Contra capa de ‘Remo para Rumos’ (Reorganizar Estratégias, Mudanças e Objetivos Para Realizar sem Utopias as Maravilhas dos Sonhos), de Silvia Strass (2016)

Pulando ou não nesse carnaval, que você tenha uma ótima semana.

2 comentários:

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